sexta-feira, 2 de setembro de 2005

a papa mole

(ilustração do ziraldo)


Demorei mas cheguei na leitura. E nessa leitura não teve velhinha nenhuma. Aliás, chega de falar de velhinhas. É que tem assuntos que se encompridam por causa da minha mania da livre associação. Quando eu acho engraçada uma coisa, dou trela, vou levando adiante.
Bom. Eu queria contar aqui uma experiência incrível que aconteceu no começo dessa semana. Uma leitura que uma amiga, a Ivana, fez de uma peça de teatro que eu escrevi.
Desde pequena escrevo textos que chamo de “peças de teatro”. Sempre inventei histórias, diálogos, cenas, tramas, namoros, novelas. Sempre adorei escrever as frases que minha mãe falava, as coisas que minha irmã dizia, que minha avó contava, as gracinhas dos amigos, as bobeiras ditas pelos filhos. Quando era mocinha e me apaixonava, escrevia as cenas de amor, imaginava encontros. Até as brigas e discussões eu gosto de reescrever, aliás, são meus textos prediletos. E sempre achei que esses diálogos só tinham graça se tivessem histórias. Começo, meio e fim.
Como pequenos filmes.
São escritos desordenados, desabafados, bagunçados. Nunca achei que esses escritos desordenados eram literatura. Para mim são apenas um modo de entender a vida, acho que nunca tive teoria nenhuma sobre eles. Eu apenas lembro, escrevo, sonho, escrevo, ouço, escrevo, rio, escrevo. A cada palavra escrita sinto que encolho um pouco e que o texto cresce. A cada linha noto o quanto somos restritos perto do ilimitado alcance das palavras.
E eu faço pior, é inevitável. Depois de escrever, eu leio, depois releio, depois reescrevo tudo de novo. Tudo isso diversas e diversas vezes. Imagina só como as coisas ficam remoendo dentro de mim. Resumindo, quando, enfim, engulo as palavras, nem sólido mais é.
Uma papa mole.
Um dia encontrei a Ivana, que é escritora e que resolveu me adotar, de um certo modo. Eu conheci a Ivana aqui no blog. Olha que coisa. Vai saber porque ela resolveu entender uma dessas minhas papas moles. Leu uma das peças, gostou, mexeu e remexeu, deu palpites. E resolveu que tínhamos que fazer uma leitura da peça. Como se aquela ex-papa mole fosse uma peça de teatro de verdade. Chamou umas amigas escritoras na casa dela, me colocou numa cadeira e me mandou ouvir.
Apenas ouvir.
Eu não sei se pessoas que escrevem textos de teatro pensam igual, mas eu achei muito estranho alguém ler uma peça sua. É um tipo de invasão permitida, uma apropriação quase que indecente. É como deixar que pessoas estranhas falem com sua voz, usem seu corpo, riam com as suas risadas. Eu achei que ficaria muito, mas muito aflita com isso.
Mas sabe que não? A minha papa mole, quando virou um texto falado pela Ivana e pelas amigas da Ivana (que, claro, se tornaram minhas amigas também), não me assustou. Aliás, o contrário. Aquela história que ouvi era um outro texto. Solidificou-se, cresceu como um bolo no forno, tomou forma.
Mas o mais importante foi perceber que aquela história deixou de ser só minha para ser universal. Universal porque é apenas uma história comum, uma história enorme que se tornou pequenininha, uma história mínima que virou giganta naquela sala. Apenas uma história contada na casa de uma amiga, entendida com carinho, entremeada de gargalhadas.
Eu não sei se isso é teatro. Mas aquela papa mole, ainda bem, não é mais só minha. Agora é do mundo.
Que alívio.

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