terça-feira, 6 de setembro de 2005

os flaconetes


Estávamos viajando. Eu e o Zé adoramos viajar de carro com os filhos, viagens longuíssimas, de cidade em cidade. O problema é que, como o Zé enjoa no banco do passageiro, ele guia a viagem toda. É cansativo, mas ele prefere assim.
- Melhor cansar que enjoar.
Ele enjoa até em táxi. Uma vez pediu para o motorista deixá-lo dirigir.
- Eu não quero vomitar no carro do senhor. Ou eu dirijo ou desço.
O homem concordou. Sentou ao lado e o Zé veio dirigindo o táxi até em casa.
Mas não vou dispersar, estava contando da viagem. Naquele dia o percurso foi longo, já tinha anoitecido e ainda não tínhamos chegado ao destino. As crianças dormiram, eu estava com sono, e percebi que o Zé também estava.
- Vamos parar e tomar um café? – sugeri.
- Ótimo, vamos. E eu vou comprar um flaconete.
- Vai comprar o quê?
- Um flaconete.
Lembrei. Na viagem anterior, paramos num posto à noite e ele comentou com frentista que estava com sono. O homem sugeriu a ele que tomasse um energético, um liquido com guaraná em pó e catuaba vendido em tubinhos de plástico, que “acorda” a pessoa. Disse que o negócio se chamava “flaconete”, e, segundo o frentista, a coisa era forte pra burro. Acordava chofer de caminhão e levantava defunto.
O Zé achou aquilo o máximo. Entrou na lanchonete e voltou com um monte de tubinhos.
- São flaconetes, gente. Choferes de caminhão que tomam isso – ele explicou, todo exibido, abrindo e bebendo todo o conteúdo de um gole só.
- Éca, pai!
Olha. Eu não sei até hoje se esse negócio faz bem ou mal, se os choferes de caminhão tomam mesmo, e nem se chama flaconete mesmo. Mas sei que o Zé adorou essa palavra, faz uma gracinha e assovia no final, e, desde então, procura flaconetes por todos os postos de beira de estrada do Brasil.
- Vai tomar de novo aquela coisa nojenta, Zé?
- Vou. Preciso acordar. Aqui nesse fim de mundo deve ter. Olha o naipe do posto.
Tomamos o café. Na hora de pagar, ele pediu todo exibido para a moça do caixa.
- Por favor, um flaconete.
Como se fosse a coisa mais normal do mundo alguém comprar flaconetes durante a noite num posto.
- Como que é?
- Um flaconete, por favor.
- Não entendi o que é que o senhor quer. Repete.
- Um flaconete – ele repetiu, sério.
Eu tive vontade de rir. A moça olhava como se ele fosse um doido.
- Escuta. Como que chama essa coisa que o senhor quer?
Impassível, ele repetiu.
- Flaconete.
Eu caí na risada.
- O que é isso? – ela perguntou, estranhando – É bala? Cigarro? Bebida?
- É um tubinho assim – ele mostrou o tamanho com a mão – com um líquido marrom. Flaconete. Para não dormir na estrada.
- Hã? Para dormir?
Eu já teria desistido, mas ele não. O Zé, quando encasqueta, é fogo.
- Não, é para acordar. Flaconetiii.
- Acordar? Mas é o quê essa coisa?
- Vocês têm ou não tem flaconete?
Ela deu de ombros.
- Se eu soubesse o que é.
- Um energético. Para tirar o sono. Flaconete.
A moça suspirou, abaixou, pegou alguma coisa em baixo do balcão e entregou para o Zé. Era um papel e um lápis. Olhou para ele e disse, seríssima.
- Será que senhor pode desenhar?

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