terça-feira, 20 de setembro de 2005

o eco



Eu devo ter um monte de manias que não percebo, ninguém é perfeito. Mas morro de medo de ter algumas doidices , que elas sejam comentadas por ai e virar motivo de chacota.
Olha, por causa disso que é bom ter filhos adolescentes. Eles implicam com os pais o tempo todo, precisam achar defeitos ridículos na gente para poder se afirmar, e isso nos abre os olhos. Os teus amigos nunca te avisam sobre teus defeitos, principalmente os defeitos pequenos, que não incomodam ninguém. Eles vêem, notam, mas só comentam com os mais íntimos, que também não comentam com ninguém.
E você fica ali, dando aquele vexame.
Foi assim que percebemos, eu e o Zé, uma curiosa característica numa conhecida nossa. Na verdade foi o Zé que percebeu, depois de uma conversa que tivemos com a moça numa festa. O Zé, vez ou outra, nota coisas que eu jamais veria. Como eu já disse em outros emails, ele é o maior implicante.
No bom sentido, claro.
- Lú. Reparou que a Lena repete o fim das frases?
- Como assim?
- Coisa mais esquisita. Repara, ela repete, bem baixinho, as últimas palavras das frases que a gente fala, como se ela fosse nosso eco.
- Não percebi.
- Agora que eu falei você vai perceber. Faz assim. Eu vou te explicar o que é e você vai lá falar com ela. Sem rir, por favor.
- Tá. Explica.
Ele se empertigou.
- Por exemplo. Se eu vou contar para ela que a gente mudou de casa, eu digo “... no ano passado nós saímos daquele apartamento e mudamos para uma casa”. Mas, assim que eu acabo de falar “casa”, eu ouço ela repetindo bem baixinho: “casa”.
- Como? Não entendi direito.
Ele suspirou.
- Ela sorri para a gente, assente com a cabeça e pimba. Faz o eco.
- Será que ela não quer apenas ser simpática, Zé? – argumentei - Você está implicando, a Lena é tão boazinha.
- Não, não é simpatia. É uma mania, uma maluquice estranha. Você precisa entender como que é. Vamos fazer assim. Eu vou te perguntar uma coisa e você responde. Finge que eu sou ela.
- Você vai ser a Lena?
- É.
- Tá.
Ele pigarreou
- “Oi Lúcia, onde vocês estão morando agora?”.
- Numa casa, ali, perto da escola dos meninos.
- ... meninos.
- Hã?
Ele falou bem baixinho.
- ... meninos.
- O que tem os meninos, Zé?
- Nada! Mas ela repete “meninos”, porque foi a ultima palavra que você falou!Percebe?
O Zé ria sem parar.
- A ultima palavra que eu falei foi... meninos?
- Foi! Hahaha, é assim mesmo!
- Eu não percebi. Vamos fazer ao contrário.
- ... contrário.
- Eu vou ser a Lena. Eu que pergunto.
- ... pergunto.
- Ah, pára, Zé!
- ... Zé.
- Que coisa. Deixa eu fazer a Lena e você faz você!
- ... você.
- Ô droga.
- ... droga.
Ele não parava de rir.
- Agora isso não vai ter mais fim!
- ... fim.
- Chega, não vou falar mais nada. Zé, você é muito criança.
- ... criança.
- Não vou falar mais nada. Saco.
- ... saco.

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