domingo, 4 de setembro de 2005

intimidades modernas


Em primeiro lugar, a tal crônica do Zé. Eu sei que deve ter perdido a graça, mas promessa é dívida.


- Bom, então é isso, Lúcia. Me dá o numero do seu telefone que eu te ligo amanhã – ela me disse.
- Anota aí, Fernanda. Sete-quatro-dois, dois-dois-um-cinco.
- Nossa, que bárbaro! Facílimo! Já decorei.
- Facílimo?
Eu estranhei. A Fernanda sempre foi maluca, mas nem tanto.
- É. Eu uso uns métodos para decorar telefones. Sete e quatro, onze, que é um mais um, que dá dois. Ou seja, já decorei o “sete-quatro-dois”. E o “dois-dois-um-cinco” é bico, pois é uma soma. Dois, dois e um, cinco.
- Ah – exclamei, surpresa com a maluquice - Que jeito estranho de guardar um telefone.
- Você não decora assim?
- Eu escrevo na agenda.
- Eu não. Ou somo ou associo às coisas da minha vida. Por exemplo, “sete-quatro-dois” também parece o número da minha casa antiga, que era “sete-sete-dois”, e “dois-dois-um-cinco” é vinte e dois, que... hummm... que é o dia do aniversário do Alê, meu ex-namorado, e quinze é o final da chapa do meu carro. Viu como é fácil? Minha casa antiga, o aniversário do Alê e chapa do carro.
Nossa. Jamais conseguiria chegar à esse nível de sofisticação para memorizar um reles número. acho até que que seria mais fácil decorar o número do que a seqüência de fatos.
- Isso serve para números mais complicados, como o seu – ela explicou - Já o meu celular, que tem um número facinho – e ela falou rapidinho – “nove-três-dois-um, quatro-cinco-zero-um", eu...
- Esperai, esse número é facinho?
- Óbvio que é facinho. Olha, tirando o nove, o três-dois-um é bico, é uma sucessão decrescente. O quatro cinco é minha idade e zero-um, ah, zero-um nem conta, né?
Depois disso tudo, tive dificuldades de lembrar o meu número. Como tem gente que consegue?

Eu passei o dia ontem tentando entender essa mania maluca que as pessoas tem de memorizar pelos métodos mais complicados. Mas acabei pensando noutra coisa.
A questão não é a memorização, e sim a quantidade de coisas que temos para memorizar hoje em dia. É telefone, endereço, e-mail, nomes de blogs, nomes do Skype, do Orkut. É óbvio que tem alguma coisa errada. Porque não podemos ter um mesmo número para tudo?
E vocês já reparam como cresceu a quantidade de números de telefone? Além dos telefones de casa, que agora todo mundo tem dois ou três, cada pessoa da família, até as empregadas, tem um celular.
Olha que loucura. Acho que quantidade de números de telefone cresceu mais que quantidade de banheiros. Quando eu era menina a gente tinha um telefone e dois banheiros em casa. Agora, tenho nove telefones e quatro banheiros.
Nossa, nove, que absurdo. Três fixos e sete celulares, um meu, um do Zé, um de cada filho e um pós pago baratinho que os meninos revezavam antigamente e que hoje fica na cozinha, para quem precisar. Acha que é mole decorar tudo isso? Depois eu dizia que me incomodava com o número de privadas das casas, ora, privadas eu tenho até de menos, gente. Aqui em casa temos menos privadas que pessoas, tou reclamando de quê?
Bom, acho que preciso pensar um pouco para entender porquê, em trinta anos, os humanos passaram a precisar ter sua própria privada e seu próprio telefone. Será que dividir telefone também não é higiênico?
Bom. Dispersei um pouco, né, Zé?
Mas pelo menos privada não tem número pra decorar.

Nenhum comentário: