- É aqui.
- Lugar esquisito. Não parece que tem festa nessa boate, Zé.
- Quem falou que é boate? Hoje em dia nem existe “boate”. É “casa noturna”. E não é festa. É “balada”.
Era uma festa de um amigo do Zé, solteiro, animado e modernérrimo. O prédio era numa zona industrial e decadente de São Paulo, um lugar escuro, numa rua escura, com uma movimentação estranha, num bairro mais sombrio ainda. Porque boates têm que parecer tão perigosas?
Uma moça cheia de piercings no rosto abriu a porta. Pelos cantos, uns vultos.
- É por aqui que a gente entra? – o Zé perguntou - entregando o convite.
Nem ela nem nenhuma das pessoas falou uma única palavra.
- Entra, vamos – empurrei o Zé através de outra porta no final do corredor - Isso é um elevador, Zé, não tá vendo? Só pode ser por aqui.
- Elevador? Não enxergo nada, sou míope.
Saímos no primeiro andar. O lugar estava escuro, mas ouvia-se uma música alta martelando.
- Parece um bar abandonado. Zé, vamos desistir dessa birosca aqui?
- Não, senhora. Eu vim até aqui e vou nessa festa. Vem, vamos perguntar pra alguém se é aqui mesmo.
- Perguntar para quem, Zé? Tá na cara que aqui não tem festa. Tem só... uma pista de dança vazia, uma gaiola... um monte de papel no chão... o que é aquilo? Uma pia?
- Pára de falar e senta nesse sofá que eu já volto.
- Isso é um sofá? Parece uma boca gigante.
- Shiu. Tem alguém ali. Uma moça de saia longa.
- Não é moça, Zé, é garçom. Homem.
- Ele está vindo para cá. Deixa comigo.
- Oi. Vocês não preferem ficar lá em cima, no bar? Aqui ainda não abriu.
- Não, não... Queremos ficar sozinhos.
- Bom, fiquem a vontade. Querem beber alguma coisa? Eu trago.
- Não, não. Obrigado.
...
- Zé.
- Que.
- Você não perguntou nada para ele.
- Eu sei. Mas pelo menos me dei bem.
- Como “se deu bem”?
- É que eu agi como se eu estivesse cansado de saber que aqui não tem ninguém a essa hora. Entende? Não como se eu estivesse num lugar errado, na hora errada, totalmente equivocado e morrendo de vergonha.
- Mas, Zé! A gente está num lugar errado, na hora errada, estamos totalmente equivocados e morrendo de vergonha!
- Eu sei, shiu. Mas fica quieta.
- Mas cadê a festa do teu amigo, pombas?
- Acho que a gente chegou muito cedo. Onze horas... que acha?
- Onze horas, para eles, deve ser praticamente de manhã. Ah, a gente é muito desinformado, não entende nada de casa noturna. Devíamos ter ficado na nossa casa diurna, com os nossos filhos, no nosso bairro residencial...
- Que tem? Me convidaram, eu vim. Ninguém tem nada com isso. Pago minhas contas, tenho meu trabalho, minha família e estou numa festa. E dane-se.
- Festa? Que festa?
- Sei lá... mas qual que é a deles, hein? Que lugar é esse?
- Eu vou saber? É teu, o amigo. Hummm, modeeerno...
Continuamos sentados, cochichando baixinho.
- ... ô Lú.
- Oi.
- Esse garçom fica olhando, saco. Reparou?
- Deixa. Quer ir pro outro andar?
- Não, nem pensar. Questão de honra.
- Honra?
- Ah, já sei. Vem aqui.
- Onde?
- Bem perto de mim. Vamos dar uns malhos.
- Hã?
- Vamos dar uns malhos, eu e você.
- Dar uns... malhos? A gente? Mas a gente é casado há mais de quinze anos! Para quê?
- Pra ele parar de olhar, ué.
- Ele quem?
- O garçom!
- Peraí, Zé. Nós dois, adultos, pais de três filhos, vamos ficar aqui, nesse sofá vermelho de vinil em forma de lábio nos agarrando feito dois adolescentes tarados? Num... “malho”?
- É, não é uma idéia ótima? Ele vai achar que foi por causa disso que a gente quis ficar aqui sozinho. Justifica.
- Bom... tá.
...
- Lú. Ele ainda tá olhando?
- Você nem tá com vontade de beijar.
- Para de falar e olha.
- Ele parou de olhar, mas tá chegando gente. Acho que é o dono da festa.
- Então dá mais beijo e me esconde.
- Esconder?
- Quer que o meu amigo perceba que eu sou um galo cego que cheguei cedo demais?
Bem, lá ficamos no sofá até a festa encher de gente e a música se tornar insuportável. Levantamos, demos um alô para o amigo dele. O Zé me pegou pela mão.
- Agora vem. Rápido.
- Onde?
- Embora, vamos fugir daqui dessa droga de lugar já.
Fomos embora correndo, sem entender patavina de baladas direto para uma pizzaria no Bexiga, daquelas bem familiares.
Uma verdadeira casa diurna.
- Zé.
- Oi.
- Vamos dar uns malhos?
- Aqui? Nem pensar. Que vão pensar da gente?
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