quarta-feira, 1 de junho de 2005

a agenda


- Alô.
- Oi Rita. É a lúcia. Estou ligando pra marcar uma reunião com você.
- Claro, lúcia.
- Pode ser quinta, três e meia?
- Pode. Deixa só eu confirmar aqui na minha agenda... Ah, não dá.
- Não?
- Quinta, às três e meia eu vou me separar do João, meu marido. Pode ser sexta, na mesma hora? – ela me disse sem mudar o tom.
Desliguei o telefone pasma.
Juro, foi verdade.
Tive a impressão que uma separação é a coisa mais simples e civilizada do mundo. Bem, a minha cliente não poderá fazer uma reunião comigo porque na quinta, às três e meia ela vai se separar do marido.
Ora, normal, não?
Isso quer dizer que a Rita, na quinta feira às duas horas ainda será uma mulher casada. Mas a Rita, às quatro horas desse mesmo dia será uma mulher separada. Ou seja, isso quer dizer também que a Rita, nessa tal quinta feira, será uma mulher casada e separada. Assim, na quinta feira ela terá dois estados civis num único dia. E isso ainda quer dizer que, eu, hoje, marquei uma reunião com uma mulher casada, mas na sexta farei uma reunião com uma mulher separada.
Estou falando essas bobagens para tentar compreender melhor. Me pareceu muito esquisito uma mulher ter hora marcada para separar do marido. Sei lá, casamentos não acabam assim, às três e meia. Ainda numa reles e mixuruca quinta feira qualquer. Casamentos, e principalmente fins de casamentos, são longos, compridos. Vão acontecendo, como coisas que vão se despregando e se descolando umas das outras ao longo do tempo, devagar, depois de muito uso. Depois de tempestades, depois de muita falta de tolerância, depois do desgaste do amor.
E nunca, em hipótese alguma, devemos falar deles no futuro do presente. Casamentos só podem ser falados no gerúndio. Casamentos vão acabaaando, devagarinho. Se a Rita me falasse como aquelas operadoras de telemarketing, “... quinta feira às três e meia eu vou estar me separando do João” , ao invés de dizer secamente “... quinta feira às três e meia eu vou me separar do João”, meu choque não seria tão grande. Encerrar uma vida em comum num horário de meio de tarde, anotado numa agenda e sem gerúndio nem choro é uma coisa muito violenta, árida, triste, sem poesia, sem carinho, sem memória.
Casamentos não são triviais. Muito pelo contrário.
Pensa o tempo da vida que a gente gasta pensando em casar. Pensa o trabalho que dá arrumar marido. Pensa o desgaste que é namorar, sair e conhecer a pessoa. Pensa como demora pra tomar a decisão de montar uma vida junto, comprar todos os móveis, fazer a festa. Ninguém vai me dizer aqui que casar não é gerúndio. Casar demora muito para ser apenas umas letrinhas marcadas na agenda. Casar é complicadérrimo. E tenho certeza que ninguém, ninguém mesmo, quase esquece e marca uma reunião no dia que vai casar.
Separar é outro processo longo. Na minha opinião, não acaba nunca. Talvez o tempo apague algumas linhas mais fortes, talvez a memória seja preenchida por outras histórias, mas é impossível desaparecer com um ex da sua vida. Para mim uma separação é um gerúndio eterno – com a mesma explicação de uma linha infinita – quando você pensa que acabou, sempre tem mais um pouquinho. E mais um pouquinho. E só mais um pouquinho...
Mas isso lá é problema meu? Para meter o bedelho?
Perdões, Rita. Pode marcar na agenda a tua separação e quase esquecer, eu não tenho nada a ver com isso. Talvez você tenha feito isso justamente para esquecer mesmo, as coisas da agenda não são as coisas mais essenciais da vida.
E, assim, tornando o importante apenas um reles compromisso do cotidiano, esquecível, talvez você esteja ganhando tempo para não separar dele.
E continuar... casando com ele.

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