segunda-feira, 30 de maio de 2005

domingo, nove da noite


Domingo, nove da noite.
É exatamente nessa hora que eu tenho medo. É a hora que me sinto mais desatenta, mais sem graça e mais burra. É a hora que as coisas não tem a mínima graça. É a hora que minha cabeça se desarruma toda, fora de ordem, descombinada.
É a hora da vertigem. Vou despencar na segunda feira.
É assim desde que sou pequena. Quando tinha uns doze anos, minha mãe me mandava comprar pão na padaria para o lanche do domingo à noite. Era o único dia que comíamos lanches, e por isso o pão francês com queijo e presunto era um verdadeiro banquete. Até hoje me lembro do gosto do sanduíche que comíamos com guaraná. Como era bom aquele sanduíche de presunto com guaraná. Mas junto com essa lembrança existe a memória do caminho da padaria. Eu percorria aquelas cinco quadras sozinha ou com a Ângela, minha irmã: a rua Augusta completamente vazia, o comércio fechado, um silêncio entrecortado por alguns berros. Alguma coisa naquele caminho me dava a impressão de abandono, de desamparo diante do tempo. Era a segunda feira, era o futuro, era um buraco, era aquele singelo pão quente. As minhas esquinas do domingo eram sujas, os meus becos eram escuros, o silêncio gargalhava da minha inocência. Naquele caminho eu era mais orfã, mais criança e mais adulta no aprendizado do que é a melancolia. E foi naquela hora que eu aprendi a ter medo dos outros dias da semana, que acenavam na penumbra do final de tarde. A padaria ficava numa esquina decadente, cercada de casas antigas e demolições, e volta e meia o local estava cheio de bêbados. Não tínhamos receio de andar ali, vivíamos no interior, conviver com bêbados era normal. Ignorávamos os lamentos dos homens embriagados cruzando os braços e apertando os passos, como mandava a nossa mãe. Mas não era possível ignorar a tristeza e a angústia do caminho, com o pão quente, o guaraná e os frios dentro do saco de papel.
Hoje, trinta anos depois, ainda comemos lanches e guaraná no final da tarde do domingo.
E eu, mesmo estando longe daquela rua, ainda sinto a mesma aflição.

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