sábado, 12 de fevereiro de 2005

A HISTÓRIA DOS DÍPTICOS


a de blusa branca é a sílvia, a de blusa preta sou eu

Eu gosto dessa foto porque a Silvia e eu estamos na mesma posição que estamos nos desenhos: a imagem dela a esquerda e a minha imagem a direita.

Essa história maluca começou quando eu reencontrei a minha amiga de faculdade, a Sílvia. Um dia descobrimos que éramos ambas mães de três filhos, vizinhas e sócias do mesmo clube. Passamos a nos ver em tudo quanto é canto. Um dia ela me chamou para ir na casa dela a noite.
- Para conversar, lúcia. Mas sem filhos e sem maridos. Vamos?
Fui. Bebemos, conversamos, lavamos a alma. Passamos a nos visitar toda semana. Como fumávamos muito, a Silvia chamava nossos encontros de “chá com fumaça”.
Um dia, de brincadeira, começamos a escrever emails sobre os assuntos conversados durante a noite, para não esquecer. E um dia a Silvia começou a escrever uma história sobre duas mulheres. Achei engraçado e continuei. Eu era uma personagem e ela outra, eu escrevia um capítulo e ela outro. O texto virou um livro, enorme, feito a duas mãos (ou a duas "mães", hahaha!). Livro? Não, é um divertido tratado sobre a sobrevivência feminina no estranho mundo dos casamentos, que ainda é um xerox encadernando (que nunca foi publicado, é isso que quero dizer).
Sabe, a vida de uma mãe, casada e profissional é, muitas vezes, bem sem graça. Tem obrigação demais, tem (obviamente) falta de paixão e falta de namorados, tem muito trabalho por causa dos filhos. Daí para você se tornar uma chata de galocha é um pulinho. Mas descobrimos, através das conversas malucas noite adentro e através da ficção um universo paralelo que nos fazia gargalhar de rir.
Tinha dia que eu acordava no meio da noite, rindo.
A linguagem escrita é muito perigosa, me disse a Silvia, pois vimos coisas que nunca tínhamos visto dentro da gente mesmo. "As palavras faladas voam com o vento", ela concluiu, "mas as palavras escritas grudam na gente feito sanguessuga".
Assim, um dia a história acabou, mas o nosso convívio não.
- E agora, lúcia? – ela me perguntou – Como continuamos? Escrevemos outra novela?
- Bem, Silvia... - respondi, matutando - já falamos tudo que podíamos falar, já escrevemos tudo que podíamos escrever sobre nos mesmas, e agora falta...
Ela pescou a isca na hora.
- Agora falta desenhar, Lúcia! Vamos desenhar juntas?
Olha que maravilha. Depois de anos só trabalhando com projetos e obras, a idéia de sentar e desenhar com uma amiga era o máximo. E não causaria transtorno nenhum nas nossas vidas(olha, claro que isso conta - fazer qualquer coisa em casa com uma amiga não causa nenhum problema de ciumeira com os maridos).
Escolhemos a área de serviço da minha casa, que é enorme e tem um monte de mesas velhas. E ali, no meio dos tanques, das máquinas de lavar, das roupas secando, dos baldes e das vassouras, nos sentamos uma diante da outra.
- Pronto. Desenhamos o quê, Silvia?
- Sei lá! – ela deu de ombros, divertida – Hum, que tal desenhar... “chaves”?
Olha, nem lembro se desenhamos alguma chave. Só sei que pegamos uns papéis grandões em branco, um vidro de tinta preta, pincéis, começamos a tagarelar sem parar e desenhar uma a outra. Eu desenhava a Sílvia, a Sílvia me desenhava. Quando uma acabava a outra também acabava. Era uma “conversa” de desenhos. Acabávamos, numerávamos e pimba, partíamos para outro.
E dá-lhe conversa.
Anotávamos nos desenhos o que falávamos naquela noite. E continuamos fazendo essa coisa por muitos meses, sem entender muito porquê e onde isso ia chegar.
Essa é a história desses desenhos que eu colocarei aqui no blog uma vez ou outra. Os dípticos. São muitos e são sempre dois. As descobertas que fizemos desenhando juntas foram imensas e mágicas.
E eu não sei bem, mas até hoje quando eu pego um lápis ou um pincel eu me lembro da cara da Silvia. Ah, e lembro como era difícil desenhar o cabelo dela.

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