quarta-feira, 8 de dezembro de 2004
Vergonha da mãe
as "maria sem-vergonha" do meu jardim (caramba, como é o plural dessa flor?)
Vergonha da mãe
- Mãe? Mãe, o que você está fazendo aqui? – ela me perguntou, olhando para os lados.
- Vim falar com sua professora. E resolvi te achar para te dar um beijinho.
- Fala mais baixo, mãe... mas mãe, melhor você ir, estou ocupada.
- Ah, tá bom... então tchau, dá um beijo na mamãe, querida – respondi, desanimada.
- Beijo? Aqui? Nem pensar, mãe! Te dou em casa, tá? – ela decidiu, saindo de perto de mim.
Uma hora, acontece. Os filhos têm vergonha da gente.
Claro que eu sabia que ia acontecer, mas nunca achei que fosse tão rápido e que, de um dia para outro, eu fosse me transformar de “ídala e líder absoluta” em “mulher mais ridícula desse mundo”.
Nesse dia eu me mandei da escola na hora. Sei como ela se sentiu comigo ali ao lado das amigas dela, inadequada, falando alto. Uma verdadeira mãe-ridícula. Pois eu também tenho mãe, e, apesar de hoje eu não ter vergonha alguma de sair com ela, já tive muita vergonha da minha mãe na vida. Mas os tempos eram diferentes, minha mãe era brava e eu não falava nada para ela. Ficava quietinha, naquele pânico da vergonha total.
Não que a minha mãe só fosse aos lugares errados nas horas erradas para me procurar. Ela tinha hábitos que me intimidavam. Por exemplo, ela cantava na rua, andando pela calçada. Cantava alto, dava para todo mundo ouvir a letra, a música, a melodia. Mas ela não é cantora e sequer se preocupava em decorar as letras direito. Então ela improvisava. Tralanananaaããã olhos nos olhos, quero ver o que você faz... Aquilo era um horror, as pessoas olhavam e davam risada. Talvez fossem risos complacentes, de comoção com a alegria dela, mas eu não via isso. Tinha vergonha, muita vergonha da minha mãe.
Quando ela começava a cantar, a primeira coisa que eu fazia era des-dar a mão para ela. Ficar de mãos dadas com aquela vitrola ambulante era demais. Depois, eu passava a andar um pouco atrás, como se eu não a conhecesse. Não adiantava nada. Sempre que eu saía do seu campo de visão ela me chamava, “lúcia! Está no mundo da lua?”, e pegava na minha mão e retomava a melodia, desafinada de tudo, tranananãtatã, ai se tu soubesses como eu sou tão carinhoso...
Ela também me vestia igual à minha irmã, coisa que me parecia ridícula. Mudava só a cor. Tínhamos que andar assim, juntas e parecidas, pois, segundo ela, aquilo que era bonitinho. Sair igual me incomodava e eu morria de vergonha também. Mas também não falava nada.
Mas o que me incomodava e me dava muita, mas muita vergonha mesmo era o hábito que ela tinha de falar da gente para os outros na terceira pessoa. E muito. E alto. E vangloriando. E elogiando. E expondo todos os problemas. Como se a gente não existisse, como se não estivéssemos ali. Imagina assim: ela estava de mãos dadas com duas meninas. Uma de cada lado. Encontrava uma amiga na rua, que perguntava se estava tudo bem. Ela se animava.
- Ah, as meninas estão ótimas. Ótimas mesmo, estudiosas. A maior (eu) não me dá trabalho, mas não come nada, um horror. A menor (minha irmã) é birrenta, você nem queira saber. Se atira no chão, faz cada escândalo.. leva cada surra... A maior é cara da avó, olha só. A menor ontem passou mal, vomitou.
A maior, a menor, as meninas.
Éramos nós, envergonhadas e mínimas ali do lado, querendo sumir, mas dando aquele sorriso bobinho, e ela contando tudo, tudo, absolutamente tudo da nossa vida para os outros. Até as nossas diarréias.
Quando tive meus filhos, jurei que nunca ia cantar na rua, nunca ia vestir os meninos iguais e que nunca eu falaria deles na terceira pessoa. E jamais falar das diarréias, óbvio. Mas... adianta? Eles têm vergonha do mesmo jeito!
- Mãe, dá para você colocar uma roupa menos escandalosa?
- Mãe, fica ali no cantinho. Aqui todo mundo te vê.
- Mãe, pode ver o jogo. Mas por favor, não grita, não berra e não torce. Tenta ficar calada e parada, tá?
- Mãe, vamos, mas não fala muito. Por favor, seja objetiva e não alonga as conversas.
- Mãe, não senta no chão! Você não é adolescente!
Porém de vez eu quando, eles tem razão. Eu preciso de uns limites mesmo.
- Mãe, tá maluca? Isso é uma loja de discos, não é um baile! Precisa dançar aqui?
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