quinta-feira, 21 de outubro de 2004

O táxi

*
Fim da tarde. Liguei para o celular do Zé, meu marido.
— Alô.
— Zé? É você?
— Não.
— Desculpa. Engano.
Tentei de novo.
— Alô.
A mesma voz de homem.
— Zé?
— Não.
— Quem é?
— João Pereira.
— Engano de novo. Desculpa.
— Não, dona. Esse telefone não é meu.
— Não? Não é o do Zé?
— Deve de ser...
— Mas... quem é você?
— João Pereira.
— Tá, eu sei. Jo-ão Pe-rei-ra. Mas porque o telefone do Zé está com você?
— Quem é esse Zé?
— O dono do telefone! E você é quem, moço?
— Eu? Sou motorista de táxi. João Pereira, às ordens.
— Ah, entendi... o Zé esqueceu o telefone no táxi...
— É. Já tocou para burro. Só agora entendi como atende.
— Porque não leva pra o escritório dele?
— É aqui? No Paraíso?
— Nossa, olha onde foi parar o telefone do Zé...
— Quem é Zé mesmo, hein?
— O dono do telefone! Onde você está?
— Agora cheguei na Paulista, indo pra Consolação. Por que?
— Vou te dar o endereço dele. É na General Jardim.
— Tem alguém para receber lá? São sete horas.
— Ichi. Acho que todo mundo já foi embora.
— O telefone está apitando, dona.
— Ai. Está acabando a bateria. Rápido. Onde é seu ponto?
— Eu não tenho ponto.
— Hum, deixa eu pensar... João, você tem passageiro?
— Tomara que eu tenha, né? Eheheh! Táxi sem passageiro é uma tristeza!
— Perguntei se você tem passageiro agora!
— Agora não. Mas se aparecer alguém...
— João, não pega ninguém! E anota um endereço.
— De quem?
— Meu.
— Porque? A senhora precisa de táxi?
— Não!
— Não entendi. Pra quê eu vou ai, então?
— João, você vai trazer o telefone aqui. O telefone que é o seu passageiro.
— Hã? O telefone do seu Zé é o quê?
— É o passageiro! Eu pago a corrida dele.
— Ah, entendi... se a senhora tivesse falo antes...
— Mas pára o carro, você está indo pra o lugar errado!
— Errado? Como errado? Estou indo pra casa! E... a senhora vai pegar o telefone do seu Zé, hein? Ele tá sabendo disso?
— E como eu vou avisar, se você está com o telefone dele?
— Eheh, é mesmo... ei. A senhora é o quê dele?
— Mulher, João.
— Verdade? Olha...
— Juro. É melhor o telefone ficar comigo do que com você, que não é nada.
— Como nada? Sou motorista de táxi há vinte anos nessa São Paulo. Vinte anos e.
— João, desculpa. Mas anota logo o endereço. É perto da ponte da Cidade Universitária. Anotou?
— Anotei... Butantã é longe, viu...
— Você está onde?
— Embaixo do minhocão. Perto da Alameda Glete.
— Pára o carro, João!
— Calma, dona... pronto. Ei...e a senhora tem dinheiro?
— Hã?
— Não conheço a senhora... depois é trote...
— Ai. Que aflição do telefone rodando a cidade assim... João, acredita, senão o Zé perde o telefone pra sempre!
— Não tô ouvindo!
— Traz aqui, João! Eu paaa...
Bem, acabou a bateria e lá se foi o seu João. Quarenta minutos depois, toca a campainha. Quem é? Reconheci a voz no interfone.
— É o telefone!
Lá estava ele, o famoso seu João Pereira. Fomos até o táxi, paguei a corrida e ele me mostrou, sorrindo, o telefone do Zé sentado no banco do passageiro. Seu João me deu um cartão. Quando precisasse...
— O senhor não tem celular, seu João?
— Eu, hein! Depois eu perco no táxi! Eheheh!
Eu entrei rindo em casa. Cada uma.
O Zé chegou uma hora depois, distraído como sempre. Olhou na mesinha da entrada.
— Olha, meu telefone... sabia que tinha deixado em algum lugar!
*

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