Estávamos na praia, eu e minhas duas amigas, a Silvia e a Fran. Aquelas amigas do post anterior, da geladeira vazia. Nós três deitadas de bruços, olhando as pessoas andando pela praia. As pessoas andam muito pela praia atualmente.
Andam não. Caminham. Esse é o termo certo.
Foi quando apareceu a primeira. Vinha andando com uma amiga, e, a cada passo, trombava na coitada ao lado. A outra desviava, às vezes mudava de lado, num zigzag na areia.
- Vejam - comentou a Silvia - olhem como aquela mulher anda torto.
Nós três passamos a reparar na moça.
- Nossa, que impressionante - falou a Fran - ela tromba sem parar na outra e não percebe o que faz.
- Talvez devêssemos avisá-la - disse a Silvia, preocupada.
- Avisá-la? Como assim? Acha que devemos ir até ela e dizer que ela anda torto? - estranhei, rindo.
- Claro - ponderou minha amiga Silvia - nós, mulheres, muitas vezes andamos torto na vida sem perceber. Isso é muito sério. Seríssimo.
A segunda era uma senhora velhinha muito chique. Veio do lado oposto da mulher que andava torto, usava um enorme chapéu preto com uma fita cor de rosa choque e um colar de pérolas. Cabelo arrumadinho, maiô inteiro preto cobrindo o corpo redondinho.
- Que senhorinha chique, reparem - notei.
- É mesmo - falou a Silvia - elegante pra burro. Até colarzinho de pérola na praia.
- Mas vejam uma coisa - notou a Fran - ela não tem pescoço algum.
- É mesmo... - concordei - por isso fica bem corcunda.
- Já pensaram uma coisa? - continuou a Fran - Em alguma hora da vida a cabeça dela afundou no tronco e nunca mais subiu.
Olhamos de novo. Era verdade.
- Nossa... - eu me assustei com o comentário - vai ver que foi isso mesmo...
- Mas porque a cabeça de uma mulher afundaria no tronco? - indagou a Silvia.
- Sei lá. As cabeças de algumas mulheres as vezes não querem pensar muito. Os maridos fazem isso por elas. Vai ver que é por isso que afundam - a Fran concluiu.
- Tomara que a minha não afunde - comentei - faço o maior esforço, penso, escrevo sem parar. Acho que inconscientemente quero ficar bem pescoçuda.
- Devemos avisá-la também? - perguntou a Silvia, preocupada de novo.
- Não, não. No caso dela é tarde demais - concluiu a Fran.
A terceira mulher passou com um amigo e uma amiga. Estava no meio dos dois, andava retinho e tinha um belo e valente porte. Cabelos presos num rabo, um corpo bem feito e... muito branco. Nossa, a mulher tinha a pele muito branca.
- Vejam que mulher corajosa essa do meio - apontei - essa branquela.
Elas concordaram.
- Porque será ela dá essa impressão? - perguntei - será o modo de andar?
- Porque será ela dá essa impressão? - perguntei - será o modo de andar?
- Não sei, será que é por causa da cor? - argumentou a Silvia - pensando bem, ela deve ser a mulher mais branca do mundo, vejam, ela consegue ser muito mais branca que eu, gente. Tem cor de leite, cor de tubo de PVC. Branquíssima.
A Fran balançou a cabeça, resolvida.
- Não, não é a cor. É a pele. Ela tem a pele muito lisa, quase sem poros, é isso que nos incomoda. E é isso que dá a impressão de valentia, de coragem. A falta de poros.
- Falta de poros? O que será que significa uma pessoa não ter poros, Fran? - perguntei, começando a rir.
Ela embarcou direto na teoria.
- Olha. Acho que ela não interage muito com o mundo ao redor, ou seja, ela é ela mesma sempre, onde estiver. Vejam, ela está na praia e consegue ficar branca desse modo mesmo no solão, está com um biquininho e anda como se estivesse de roupa, conversa na praia como se estivesse numa reunião. Ela nem deve suar, entendem? Óbvio, é uma mulher sem poros, sem interação com o mundo ao redor. Nossa. Que impressionante.
- E ai? Avisamos? - perguntou a Silvia, rindo.
Essas são minhas amigas. O que fazemos não é fofoca, nem falatório sem sentido. O que fazemos o tempo todo é tentar entender a nossa vida. A mulher que anda torto, a mulher que um dia afundou a cabeça no tronco e a mulher sem poros. Parece brincadeira, mas essas coisas são realmente muito sérias na vida das mulheres. Mais.
Nas nossas vidas.
Não avisamos ninguém, mas me arrependo até agora.
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