segunda-feira, 12 de junho de 2006

ronronando na padaria





Fui ontem, domingo, tomar café da manhã com o meu filho João numa padaria perto do Itaim. Era muito cedo e não havia mais ninguém no lugar além de nós dois, da moça do caixa e de dois atendentes atrás do balcão.
- Um café puro, um suco de laranja e dois queijo quentes – pedi para um deles.
Sentamos numa mesinha de plástico ali do lado enquanto um dos atendentes foi providenciar o nosso pedido.
Ficamos em silêncio, eu e o João, esperando, pois estávamos morrendo de sono. Os dois caras do lado de lá do balcão, um mais velho e um mais novo, estavam animados, trabalhando e conversando.
Foi quando eu percebi. Conversa? O que eles diziam um ao outro não era propriamente uma "conversa". Não tinha lógica nem assunto aquilo. Era um tipo de código de companheirismo que denotava uma certa condescendência de um com o outro. Um tipo de companheirismo feliz, digamos. Não sei se me faço entender corretamente. Os dois, ali naquele silêncio matinal da padaria, faziam uma série de sons, quase não-humanos, apenas para demonstrar felicidade e camaradagem.
Digamos que eles... ronronavam.
Imediatamente peguei meu caderninho da bolsa para anotar o que eles diziam. É uma mania essa minha de anotar. Não ando sem meu caderninho.
- Amaro, Amaro... - falou um deles, balançando a cabeça e se referindo ao outro, que eu supus que chamasse, óbviamente, 'Amaro'.
- Fala, seu Pereira... – respondeu o mais novo para o mais velho, que supus que se chamasse, óbviamente também, ‘seu Pereira’.
- Amaro, Amaro.
- Seu Pereira, seu Pereira.
- Amaro, Amaro, ô menino.
- Issoaí, seu Pereira. Issoaí.
- Amaro, Amaro. Menino, menino.
- Seu Pereira, seu Pereira.
- Menino, menino, ô nenê.
- Nenê não, seu Pereira, nenê não hein.
- Nenê desse tamanho é fria, ô Amaro. Nenê desse tamanho é fria.
- Ô seu Pereira, nenê não, seu Pereira.
- Amaro, Amaro.
- Seu Pereira, seu Pereira.
E assim a coisa continuava.
Engraçado. Eu e metade do Brasil estamos cansados de ouvir esse tipo de conversa. Eu mesma sou a rainha de fazer isso sem perceber aqui em casa, com a Maria, minha empregada, na cozinha. Faço isso também em obras, com peões, eletricistas, empreiteiros, marceneiros, gesseiros e até com engenheiros, para estabelecer vínculos com algumas pessoas com quem é dificílimo estabelecer conversas. Também fazem isso comigo, e noto agora que adoro essas falas. Nunca tinha percebido que isso existia até hoje de manhã, olha que coisa. Era um ato totalmente inconsciente para mim, como é para o Amaro e para o seu Pereira.
E concluo. Sim, nós humanos, também ronronamos. Às vezes falar não resolve, é preciso emitir ruídos de camaradagem.
Não é genial descobrir isso?
- Amaro, Amaro...
- Fala, seu Pereira, falaí, seu Pereira...

Nenhum comentário: