terça-feira, 6 de junho de 2006

as pessoas que gritam




Como eu já disse um monte de vezes aqui, os tipos de divisão das pessoas do mundo são inúmeros. O mundo sempre pode se dividir em duas partes. Já falei das pessoas que usam bidê e das que não usam, das que correm e das que andam, das que implicam e das que não implicam, das que dão muitos foras e das que nunca dão.
Ontem, depois de uma experiência nada agradável, dividi o mundo em mais duas partes.
Das pessoas que gritam e das que não gritam.
É que gritaram comigo, foi isso.
Não posso dizer que eu seja uma pessoa que nunca gritou na vida. Já tive fases bem nervosas, principalmente na adolescência, quando eu morava numa casa só com mulheres e onde os hormônios tepeêmicos corriam soltos. Não vou atirar pedra nenhuma. Já fui a maior gritona e também já levei muito grito.
Mas falaverdade. Horrível gritar e ser gritada.
Essa pessoa em questão é famosa pelos gritos. Todo mundo que trabalha com ele já levou um gritão em alguma hora do processo de trabalho. Isso faz, de um modo esquisito, que o cara seja respeitado e que tenha se tornado, ao longo dos anos, um tipo de líder. Por causa do seu temperamento sanguíneo e explosivo, todos em geral são cautelosos. O interessante é que, além dele adquirir uma posição de destaque no grupo, os poucos que o desafiaram acabaram sendo eliminados, e os restantes tem receio de serem também.
Desde que percebi isso – e eu tenho que trabalhar com essa pessoa – que fiquei encasquetada. Noto que cada um reage de modo diferente. As mulheres choram. Quase todas. Até eu, obviamente - um dia ele gritou tão alto comigo por causa de uma porcariazinha que eu chorei feito bebê. Olha que coisa, eu! E a coisa nem era importante. Fiquei super envergonhada, mas foi inevitável. Ontem, ainda bem, não chorei, mas fiquei aterrorizada.
Já os homens reagem de formas diferentes. Já vi alguns chorarem, o que o deixa completamente desarmado, não é comportamento esperado para a guerra que ele gosta de fazer. Outros ficam indignados, outros se desculpam até de coisas que não fizeram, outros ficam aparvalhados e muitos partem para a briga. É isso que o deixa mais satisfeito, a briga, afinal, tenho dúvidas se ele está trabalhando ou apenas jogando o jogo do machão, do mais forte. E se a guerra começa e ele ganha, o outro sai para nunca mais voltar.
Já os mais espertos sabem. Aquilo é um jogo de poder. Esses, os craques, não nem se alteram com os gritos e nem entram na brincadeira: conseguem manter o ritmo da conversa dentro do assunto até o fim. E estão com ele até hoje.
Sem medo.
É complicado pra burro conviver com uma pessoa assim. Óbviamente que a melhor maneira de resolver a gritaiada é ignorar e manter a conversa dentro do assunto conversado, mas o corpo reage de forma inesperada à uma agressão física. E grito é agressão física. Além disso, um comportamento racional demais às vezes parece covardia, e muitos homens têm receio de estarem se diminuindo diante dos demais.
No meio dessa enorme discussão entra uma outra coisa importante, que é a sua posição social dentro do grupo. Se você não é o chefe nem é o líder do processo, a sua tolerância com a humilhação acaba sendo maior. Num dos seus livros, “Trilogia suja de Havana”, o escritor Pedro Juan Gutierrez fala o seguinte: “O pobre, ou o escravo, tanto faz, não podem complicar demais sua moral, nem ser muito exigentes com a sua dignidade, sob pena de morrer de fome. ‘Se você me dá um pouco já está bom e eu amo você’, só isso.As mulheres geralmente compreendem isso desde muito pequenas e aceitam. Mas os homens complicam um pouco mais com a rebeldia, a retidão dos princípios e tudo isso. Afinal, entendemos um pouco mais tarde.”
Dizem os entendidos que todos temos muitas características animais dentro de nós, que ficam enclausuradas e mascaradas pela nossa evolução, pelas nossas conquistas civilizatórias e pela nossa inteligência. Mas que essas características voltam, e volta e meia o nosso comportamento mostra esse lado selvagem. A história primitiva ainda está dentro do mais urbano cidadão, eu acho. Se na natureza muitos animais que urram mais alto são mais poderosos, noto que no meu grupo de trabalho esse homem também se destaca.
Roooooarrrr.
Ai, ai, ai.
Eu, hein...

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