quarta-feira, 23 de novembro de 2005

os engasgos jedáis



Uma vez eu engasguei feio. Foi no dia da festa de 40 anos do Zé. Eu estava tão animada que nem comi naquele dia. Uma hora coloquei a mão no bolso e achei umas pastilhas ‘garoto’. Aquelas quadradinhas, esfarelentas, de menta.
Não tinha ninguém da família em casa. Os filhos estavam na casa da minha mãe, o Zé tinha ido buscar as bebidas e eu estava arrumando a sala ao lado do dijei, que instalava o som. Coloquei a balinha na boca, ela esfarelou e quando eu vi, estava totalmente engasgada.
Ia pedir ajuda pra quem? Fiquei com vergonha do dijei desconhecido, fiquei com mais vergonha ainda do moço do toldo e das empregadas ajudantes. Assim, corri com meu engasgo pro lavabo.
- AimeusãoBenedi. AimeuDe. Vou morre. Ai que engasga...
A sensação era péssima. Eu só queria ar, naquele resfolegar de louca revirando os olhos e urrando com a alma. Enfiei a boca na torneira, me atirei na parede, me deitei no chão, berrando a seco. Não morri, mas passei uns bons 10 minutos ali, chorando. Foi uma experiência assustadora.
Acho que isso deve ser muito comum nas mulheres doismilianas. Queremos fazer tudo ao mesmo tempo, ser mães, profissionais, donas de casa, donas de festas, malhadas, inteligentes, famosas e modernas. Óbvio que os cérebros, mesmo os mais modernos, tem limitações. O corpo não agüenta, a respiração não agüenta, a vida não agüenta. Não conseguir respirar é o limite do essencial. Se você não conseguir respirar, foi-se. Acho que é o aviso mais sério que o corpo pode te dar.
Depois desse engasgo, mudei minha vida. Fiz a festa, mas passei a deixar muitas coisas darem errado. Era melhor continuar viva. Imagina o Zé, viúvo, com quarentinha.
Bom, domingo foi aniversário do meu sobrinho e minha irmã teve uma experiência parecida. O aniversário estava um exagero. Filho único, sabe como é. Mágico, cama elástica, bolo de Jedái caprichadamente feito pela minha mãe, balões de gás no teto, mais de cem pessoas mais pra adultas que crianças, aquele monte de salgadinho e garçon. Minha irmã estava completamente lelé no meio dos convidados, sorrindo sem parar.
- Ângela. Quer ajuda?
- Eu... – ela disse, com voz de filme de terror.
- Ei, que voz é essa?
Ela tentou falar, mas não conseguia.
- Que foi, falou demais?
- Não.. é que eu quase morri...
- Quando, agora, na festa? Não percebi – eu disse, achando que era brincadeira.
- Não faz gozação. É verdade – ela disse, com voz sepulcral - Fui comer uma bala de coco e engasguei. Fiquei roxa, sem ar, tive que sair da sala correndo. Subi as escadas e fiquei tentando tirar ar de dentro do meu quarto, me segurando nas paredes. Pensei. Gente. Vou morrer aqui, agora, com toda a certeza. Não tenho ar nenhum. Imagine que tristeza alguém morrer no aniversário do filho. O Luís vai ficar triste, ainda bem que ele ganhou um monte de presente e terá uma lembrança bonita de mim, afinal fiz escova no cabelo e estou arrumada. E as pessoas vão demorar para saber porque eu morri. A bala de côco dissolve logo e engasgos não deixam vestígios.
Minha irmã é muito engraçada.
- Iam achar que fui assassinada! – ela disse, falando rouca e abrindo um olhão.
Além disso, ela adora um teatro. Quem conhece, sabe.
- Envenenamento. Iam achar que foi um envenenamento, Ângela – eu disse, rindo.
- Nossa. Todos os convidados seriam interrogados... – ela pensou.
- Aquele seu amigo hippie velho seria suspeito, Ângela. O nosso tio, que observa todos de longe e fala muito pouco, também seria grande suspeito.
- Os garçons seriam suspeitos – ela falou, assustada – Coitados, e logo eles que são tão bonzinhos.
- Todas essas mães, tão inocentes, seriam muiiito suspeitas...
- E onde iam desconfiar que estaria o veneno?
- Ora. No bolo de Jedái da mamãe – eu disse, rindo - É a coisa mais poderosa e esquisita da festa.
- Que é que tem meu bolo? – interrompeu minha mãe.
- Nada, mãe, nada – falou minha irmã – Mas você escapou de uma boa, mãe. De uma boa. Você nem imagina.

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