quinta-feira, 24 de novembro de 2005

... nam nam nam...



Era um cliente meu. Um senhor, meio gordinho, cabelos e bigodes brancos. Ele me chamou para fazer a reforma de um escritório onde ele era diretor.
Não sei se ele queria realmente reformar o escritório. Às vezes eu acho que ele queria apenas alguém para conversar. Ele encompridava demais as conversas, aquilo não era normal.
Tem gente que é assim, carente por natureza. A Bela, minha cachorra, também nunca se contenta com os carinhos que a gente dá. Ela quer mais, mais e mais. Quanto mais você dá, mais ela quer. E mesmo depois de quarenta minutos de brincadeira, se você pára ela geme, mais desesperada que antes.
Analisando a Bela, acho que carência tem a ver com a memória. Quando você não se lembra que existe a possibilidade, é menos carente. Quando percebe a possibilidade, bate um desespero. É isso. O problema da carência é a percepção da possibilidade.
Mas vou voltar ao dr. Marco Antônio. Ele era o diretor encarregado de fazer as reformas do prédio. Ele, como diretor de uma empresa privada, deveria ser objetivo, mas não era. Gostava de reuniões ao vivo, demoradas. Eu ia sempre depois do almoço, pois uma vez eu marquei de manhã e demorou tanto que tive que almoçar sanduíche do América com ele e continuar a tarde.
O pior é que obra que é bom, nada. Eu levava projetos e orçamentos, ele conversava, me enrolava e lá eu estava eu na semana seguinte com mais projetos e orçamentos. Acho que foi porque eu estava de saco cheio que eu falei aquilo pra ele. Não devia, foi meio mal educado, ainda mais para um homem carente.
É que ele era gordinho e eu fiz um comentário sobre isso. Foi coisa boba, mas ele ficou espantado. Acho que ele não se sentia gordo e o que eu disse foi chocante. Com meu comentário, fulminei o dr. Marco Antônio.
- lúcia... mas você acha mesmo?
- Acha o quê?
- Que eu sou... gordo?
Olha, embora eu ficasse horas, dias e anos em reunião com aquele homem, nunca falamos de um assunto, digamos... íntimo. Na hora achei meio constrangedor. E se alguém entrasse ali e me ouvisse comentando sobre o... corpo do diretor da empresa?
- Não. Sim. Não, Marco Antônio, acho que você está ótimo. Quéisso.
- Não, não. Você está mentindo. Eu estou gordo, lúcia, e eu não tinha pensado nisso – ele disse, arrasado.
A reunião acabou e eu saí dali com aquela estranha sensação que sentem as pessoas que dão foras. Não existe um verbo pra isso. Dar um fora é como comer pano, eu acho. Uma coisa estranha e sem gosto, que não digere.
Depois de dois dias ele me chamou de novo. Achei que ele tinha esquecido, mas não. Na primeira oportunidade voltou ao assunto.
- Resolvi tomar uma atitude – ele disse, sacando do bolso uma caixa de remédio - vou emagrecer.
Ó céus. Tudo culpa minha.
O meu martírio estava apenas começando. Se ele era carente antes, imagina depois de se tornar um... gordo. Além de arquiteta, companhia e interlocutora de conversa mole, eu me tornei uma musa emagrecedora e confidente. Ele passou a me segredar as agruras do emagrecimento, que eram terríveis, pois o dr. Marco Antonio gostava muito, mas muito de comer.
- Mas esse remédio é bom porque eu posso comer o que quiser. Ele acaba com todas as gorduras.
Bom, eu já tinha ouvido falar do Xenical, mas nunca tinha... ouvido o Xenical em ação. Como as minhas reuniões eram logo depois do almoço, ele se sentava na minha frente, tomava o remédio e... bom, ele eu não sei, mas eu ficava desesperada esperando o treco entrar em ação. E quando entrava, gente do céu, o homem levantava como um foguete da cadeira e corria para o banheiro.
Bom, digamos que ele ia queimar as gorduras.
Eu suspirava fundo, tapando o nariz. Que nojo. O pior é que a sala era tipo suíte, com banheiro dentro, e eu tinha também que tapar os ouvidos e falar ... nam nam nam... até a porta abrir, para não ouvir o remédio em... ação.
Olha. O que a gente não faz para arrumar trabalho.
Se deu certo? Ele nunca reformou aquele escritório, que droga. Mas sabiam que ele emagreceu?

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