domingo, 26 de junho de 2005

apenas uma viagem


...Sobre nós, mulheres


A gente acha que é a mesma coisa. Acha que não há nada que nos diferencie. Mas eu não sei. Acho que nós, mulheres, quase sempre andamos no banco do passageiro.
Andar no banco do passageiro é mais ou menos assim. No início você não sabe como controlar um carro. Sabe, entretanto, que veículos são necessários para te conduzir vida afora e que você vai ter que enfrentá-los um dia.
Bom, um dia tem aulas e aprende. Dá uma vontade enorme de continuar, mas a vida das mulheres tem um monte de regras. É estranho falar isso hoje em dia, mas é assim mesmo. Porque também a natureza manda.
O problema é que é bom ter motorista. Os perigos são ignorados, os carros na contramão estão distantes, a vista lateral é bacana. Você pode ver o pôr do sol, trocar a música, dormir para sempre. Pode até esquecer de colocar combustível.
Um dia esquecemos que sabemos dirigir. Simplesmente isso. Mas há trabalho demais há fazer enquanto o carro anda. Você tem que arrumar as malas, trocar a música, olhar as crianças no banco de trás. Por anos você vive feliz no teu banco de passageiro. Feliz como é feliz quem não sabe de nada.
Mas um dia, ah, esse maldito dia, você quer ir para outro caminho. Está cansada daquela estrada reta, percebe que o motorista corre muito. Percebe coisas que antes não percebia. E pela primeira vez fala: “cuidado!”.
É aí que acontece. Você não vê a paisagem lateral, pois olhou para frente. Viu o tamanho da estrada, o câmbio, o acelerador, o breque, o painel. Começa a observar cada parte do carro e tem vontade de guiar.
Guiar teu próprio carro.
Dali pra diante, nada é igual. E então você olha para o motorista.
Ele está de lado, sempre atento à sua vida, preocupado com tua existência, tua sobrevivência, teus filhos. Como será ele de frente? Você não pode olhá-lo de frente, senão ele não vê a estrada. Como fazer? Antes você não percebia nada disso, antes ele era só motorista, mas agora você quer olhá-lo direto.
O carro não pode parar. Você fala demais, começa a estorvar, ele se irrita. Sempre foi assim, que coisa, pára de querer mudar, ele te diz. Pára, ele fala.
Pára.
Tudo se complica. Além de dar palpite na velocidade, você fala sem parar e não troca a música. Mas que música você ouvia mesmo? Tudo fica sem tom, a estrada parece estranha, o dia escurece, não é melhor acender os faróis?
E esse carro velho, como você não viu que estava tão podre? Ele te mostra a noite que chega, olha que lindo lá fora, mas você não tem tempo para isso, tem que se preocupar com o carro, com a estrada, o mapa. O que aconteceu com a sua vida? Será que você deve pegar a direção, deve andar sem motorista ou colocar uma música e esquecer toda essa zona?
E como se não bastasse, você começa a reparar nos outros carros ao redor. Meu Deus, quanto tempo demora até o primeiro posto? Onde tem um acostamento seguro? Por favor, motorista, pare, eu preciso chorar um pouco, pare que eu quero olhar os outros carros, pare que eu preciso ver se eles estão felizes. Pare que eu quero descer.
E afinal das contas, quem é você, Sr. Motorista?

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