segunda-feira, 23 de maio de 2005

... boiando nos títulos


... boiando nos títulos
Minha mãe foi ao teatro no sábado. Ela sempre vai com uma turma de amigas, umas senhoras que vão todas juntas, de van. Adoraria ir com elas, meu sonho é ir ao teatro toda semana e nunca vou.
- Ô mãe, como foi a peça?
- Ah, a peça... – ela estava tricotando, distraída - Era com o Nanini. Sabe o Nanini?
- Aquela peça do fígado e do estômago? Você gostou?
- Gostei. Mas que peça esquisiiita, filha...
- Esquisita porquê?
- Não sei, alguma coisa errada tinha. Ou era comigo ou era com a peça. De repente, sem mais nem menos, algumas pessoas morriam de rir. Gargalhavam. Mas não tinha graça nenhuma.
- Não era por causa de alguma piada?
- Se era piada eu não entendi.
- E suas amigas?
- Também não riram de nada. Vai ver que nós somos muito velhas para as piadas da peça. Só pode ser isso.
Ficamos em silêncio, eu e ela.
- Lúcia.
- Oi.
- Você sabe, minha filha, que eu vou ao teatro toda semana.
- Sei.
- E entendo todas as peças.
- Sim.
- E eu rio muito das piadas das outras peças. Morro de rir. Você sabe como eu sou.
- Eu sei, mãe.
- Mas nessa peça eu não achei graça de nada. Nadinha. Uma peça estranha demais.
- Você falou.
- Sabe o que eu acho? Que essa peça é uma porcaria. Se fosse boa eu entenderia, ria, me divertiria. Mas eu não entendi a que veio e não ri nada. Uma droga de peça. Olha ali – ela me apontou o catálogo da peça que estava na mesa de centro – Pega ali o papel e leia a resenha. Leia, filha, vamos! Nem a resenha a gente entende! - e ela retomou o tricô, decidida - Ah, vá, essa peça que é horrível, ora.
- Tem razão, mãe. Tem toda a razão.
Eu adoro essa sabedoria simples da minha mãe. Também desconfio de tudo que não entendo. Penso igualzinho a ela: ora, se sou formada, articulada e inserida no mundo, porque não entenderia uma peça de teatro? Se fosse um livro de alguma especialidade científica, vá lá, mas uma peça? Alguma coisa deve existir por trás de uma peça inentendível. Ou um diretor que quer se exibir, ou um texto mal escrito ou a necessidade de citar nomes e fatos para criar uma falsa aparência ao espetáculo.
Coisa boa não é.
Não sei se a peça do Nanini é boa ou ruim, eu não vi. E não é essa a intenção desse texto, falar mal da peça. Mas eu queria falar sobre essa coisa de não entender as coisas.
Ontem eu estava lendo o blog do Idelber e ele falava exatamente isso. Que ele tinha a maior implicância com o caderno Mais! da Folha de São Paulo, que ele chama de "bolorento" (adorei esse termo, Idelber!), e que a maioria das pessoas não entendia nada daquelas matérias. Eu também implico com o Suplemento de Cultura do Estadão e com toda a Revista Bravo!. Olha, sério, tem matéria que eu bóio no título! Pode uma pessoa boiar no título? É o mesmo que não saber o que está escrito numa porta. Você vai entrar num lugar onde você não entende o que está escrito na porta? Depois eu começo a tropeçar nas citações. Que saco. Tem texto que tem mais citação que matéria. Se é para ler nomes, melhor ler uma lista telefônica duma vez.
Tá, tá, existe uma tal escrita acadêmica, toda emproada, que mostra que você é estudado e inteligente. Tem gente que acha isso lindo. Eu acho a maior bobagem reproduzir esse tipo de texto fora da universidade. Aqui fora o que rege são as idéias, e o importante é alcançar o maior número de pessoas.
Eu gosto de textos claros, simples e inteligentes. Quem sabe o que quer escrever, falar ou dizer não precisa complicar nada. Escreve, fala ou diz.
E desconfio de tudo que eu não entendo.
Até dos títulos.

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