sexta-feira, 14 de novembro de 2014

a irmã da cinderela



Acho que no futuro não vai ter mais sapato de salto alto. Já usei muito salto. Minha mãe dizia que era importante saber usar salto, que era ruim mesmo, que doía mesmo, mas mulher tinha que usar pra ficar chique e não podia reclamar. Então eu e a Ângela usávamos salto alto quando precisava e sofríamos pra caramba. Salto alto espreme os dedos da frente, e, as veze, eles até adormecem, uma tortura. 
Teve uma época que eu usava plataforma, em outros tempos usei tamanco de madeira, até que me adaptei a um salto médio e não muito fino, mas horrível igual. Durante décadas fui uns cinco centímetros mais alta do que eu sou hoje. Vejo as vezes umas mulheres na rua se equilibrando naquelas agulhas, sério, perdão mas parecem paraplégicas, e não acredito que alguém possa colocar algo assim para... andar. 
Meu pai, quando era vivo (ele morreu em 1974), era ortopedista na época do sapato plataforma. Contava que com essa moda quase dobrou o número de pacientes da clínica dele, que nunca tinha faturado tanto.
Um dia sai com uns amigos. Entre eles, uma moça muito chique, toda maquiada, com uma roupa desconfortável e com saltos altíssimos. Fomos num restaurante, estava cheio e resolvemos ir a pé para um outro. Ela causou. Disse que a calçada era ruim e ela não podia... andar. 
O marido dela foi buscar o carro pois era impossível para ela percorrer... duas quadras a pé. Me pareceu a coisa mais absurda do mundo, gente, pensa bem, porque se tornar, por causa de um salto, uma mulher deficiente por vontade própria? Chegamos no segundo destino, e caraca, não deu certo de novo, o lugar estava lotadaço e inviável. E lá foi o marido buscar o carro de novo para carregar a mulher. 
Diante da situação cada vez mais surreal, sugeri trocar de sapato com ela e fazer um tipo de rodízio entre as mulheres da nossa turma, sugestão que todas concordaram pra não atrapalhar nossa noite, mas o pé dela era maior que o de todas nós. Ou seja, a gente cabia no sapato dela, mas ela ia ficar feito as irmãs da cinderela nos nossos confortáveis sapatos. 
Gente, coitado do marido, ninguém merece isso. Pé é para andar. Usar um salto desses é como colocar luvas com espetos nas mãos e escrever com aquilo. Fora o perigo de cair e parar num hospital.
Ontem vi um homem na mesma situação em Pinheiros. A calçada estava toda esburacada, e ele, o namorado, dava a mão pra paraplégica andar devagarzinho para não quebrar o tornozelo. 
Sério, gente, mulheres, vamos pensar bem. Pra que usar salto se, com ele, você precisa de ajuda pra andar na cidade? Não quero ser feminista, mas andar sozinha sem cair e se quebrar é o mínimo que a gente pode fazer por si mesma. Num acham?

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