quarta-feira, 13 de junho de 2007

janelinhas


Tenho uma mania bastante excêntrica. Desde pequena. Não sei se alguém faz isso porque nunca comentei com ninguém.
É o seguinte. Geralmente, quando estou andando pela cidade, seja de carro, de ônibus ou a pé, costumo olhar para algumas casas, prédios ou construções e me imaginar morando ali. Não interessa onde estou: posso estar numa periferia, posso estar em Alfavilles da vida, posso estar na Líbero Badaró ou na Avenida Rebouças. Eu olho para o lado, escolho um lugar e começo a sonhar como seria minha vida ali.
Ontem, por exemplo, eu estava na Heitor Penteado. Sempre tem muito trânsito na Heitor, o que dá margem a devaneios. A troco de nada olhei para uma farmácia, e em em cima dela vi um predião, cheio de janelas. Por ser arquiteta e trabalhar com isso, só de olhar já deu para imaginar a planta daquele imóvel, o número de quartos, posição da área de serviços. Então eu escolhi uma janela. E se eu morasse ali, naquele prédio, e se aquela sala ali fosse a minha sala? Me imaginei naquela janela, olhando a rua, meus cedês tocando no meu aparelhinho de som. Na cena que me surgiu na mente era de noite, e de lá de cima do espigão da Heitor Penteado eu conseguia vislumbrar a cidade toda. Luzinhas e luzinhas, que demais. Nesse instante me veio uma sensação de completo alívio. Não sei bem porque, mas penso que seria super feliz naquela janelinha, morando com minha família apertadinha naquele apartamento. O trânsito andou, eu virei numa rua lateral e vi um sobradinho entupido de grades. Minha cabeça se animou. E se eu morasse ali, naquela casa? Vi meu carro na garagem apertada. Me imaginei de camisola abrindo a porta para a manicure de manhã cedinho, olá Silvia, entre. Sim, eu também podia ser bem feliz naquela casinha-prisão. E pensando bem, conjeturei, ela nem é tão feia. Está pintadinha, janelas novas.
No centro de São Paulo eu me entusiasmo mais ainda. Aqueles prédios antigos, de mais e cinqüenta anos atrás. Ambientes enormes, aquela infinidade de tacos no chão. Me vejo descalça, meus móveis espalhados. A música é outra, eu sempre penso cenas mais melancólicas. Invento caminhadas noturnas em calçadas molhadas de chuva, essas coisas de filmes noir. Na periferia, em bairros mais afastados, sempre escolho uma casinha ou barraquinho ao acaso. Ali. E se eu morasse ali? Tudo muda. Até invento vizinhos, penso que estaria com meu micro naquela exata janela. Me vejo mínima dentro daquela massa sem fim de casas. Vem a sensação de alívio sem explicação.
Olha. Não sei porque faço isso. Porque essa necessidade de me encolher, de me aumentar, de mudar de formato? Acho que é um brincar com o acaso para entendê-lo. Porque a vida da gente é somente acaso. Se estou aqui, nessa mesa, nessa casa de Pinheiros, é por puro acidente. A vida é uma sucessão acontecimentos gerados por vínculos completamente casuais. Claro que temos metas. Claro que avançamos em direção a elas. O corpo é instrumento da mente, mas o caminho tanto faz. Nossos endereços são fortuitos, aleatórios. Estar aqui ou estar ali, ser assim ou assado não depende de nada. Somos meros personagens eventuais de esdrúxulos roteiros que inventamos. E estar feliz aqui ou ali depende só da cabeça, rir aqui ou ali depende somente dos amigos, satisfazer-se depende somente do seu grau de tolerância com os problemas. Acho que é para acreditar nesse entendimento que eu me coloco em tantas cenas e tento me ver feliz mesmo sendo pequena. Sei lá. Vai ver. Eu, hein. A vida é infinitamente maior que a gente.

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