segunda-feira, 25 de setembro de 2006

prefiro não fazer





Foi na sexta feira que ele apareceu na minha vida, esse personagem esquisito. Fui numa exposição, encontrei uma amiga e saímos num grupo para jantar. Falamos horas sobre sapatos de salto e sem salto, e, não me lembro porquê, ela me indicou um livro pra ler. Bem, nos finais de noite os assuntos sempre se interligam em esquisitas osmoses alcoólicas.
- 'Bartleby, o escriturário', de Herman Melville, você já leu? – ela perguntou.
- Não tenho idéia do que se trata – respondi.
- É um livro pequeno, apenas um conto, do mesmo autor de Moby Dick. É sobre um homem que pára de fazer as coisas na vida.
No dia seguinte, ela veio aqui e deixou o livro emprestado. Óbvio que acredito que, se o destino me coloca diante de uma coisa, essa coisa é pra lá de importante. Então era melhor não perder tempo – sentei e pimba, li o livro todo numa só tacada.
Uau. Pois vamos à mais uma resenha-rústica da franka. Gente. Incrível o livro. Ouve só: esse Bartleby é um cara que passa a negar o mundo progressivamente e que, de um certo modo, pára de viver. É um escriturário copista de um cartório, um sujeito branquelo, esquálido, sem graça e calado, daqueles fulanos que a gente nem nota que existe, mas muito eficiente no trabalho. Certo dia é solicitado para um serviço importante e responde para o patrão, sem mais nem menos: "prefiro não fazer".
- Hã? – fala o patrão, incrédulo.
E ele repete, impassível.
- Prefiro não fazer.
Isso desconcerta todo mundo - inclusive o seu patrão, que é o narrador da história e que passa a ter atitudes hilárias para resolver essa questão internamente e éticamente. Os colegas de trabalho se revoltam: oras, ele não vai ser demitido? Mas não há malícia, esperteza e nem maldade naquele ‘não fazer’. O patrão adia a decisão e resolve esperar o tempo passar, pois simplesmente não sabe como agir diante daquela negação.
O tempo passa e o Bartleby passa progressivamente a 'não' fazer as coisas: não trabalha, não sai do escritório, não falar, não interage, não briga, não discute, nada. Apenas diz que ‘prefere não fazer’. Depois de um tempo, ele não faz mais nada e passa os dias olhando a empena cega do prédio da frente em Wall Street. Parado. Mudo. Se recusa até sair do escritório e passa a morar ali. A questão intrigante é que ele tem diante dele todas as possibilidades, mas não faz nada - absolutamente nada - é como se ele se alimentasse da negação da própria existência.
O termo ‘prefiro não fazer’ vira chacota no escritório, as pessoas todas passam a falar “eu prefiro – eu não prefiro - fazer isso - aquilo”. O patrão entra em crise existencial, e o Bartleby se mexe fisicamente cada vez menos.
Olha. Não posso contar aqui a história toda, mas eu acho que esse Bartleby tem tudo a ver com a vida das pessoas que escrevem. Na sexta eu li no jornal uma frase de Gustave Flaubert, "escrever é um modo de viver". Pra mim isso é mais que verdade, escrever é meu modo de sobre-viver, e quantas vezes eu já não caí nesse 'nada'. Acho que entrar no nada é coisa super comum de quem cria. Por exemplo, nesses tempos de recesso do 'frankamente...', acho que estou com Síndrome de Bartleby. Tenho o blog, olho para ele diariamente e digo: 'prefiro não fazer'. Hahaha. Acho que o Bartebly nos acompanha na vida em diferentes dimensões. Quantas e quantas pessoas não tem essa questão, esse nada, essa negação da própria criação.
Bom, junto com esse livro minha amiga me emprestou outro, também sobre o Bartleby e mais maluco ainda, que comecei a ler ontem e que se chama 'Bartleby e companhia', de um catalão, Enrique Vila Matas. Um cara que estuda os Bartlebys, ou a literatura do não, ou a atração pelo nada. Pelo que li na orelha, no livro dele ele cita escritores que escreveram apenas uma obra e pararam, outros que escreveram muitas e param ou até aqueles que nunca escrevem. Uau. Querem saber? O post acaba aqui.
Prefiro não concluir.

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