terça-feira, 8 de agosto de 2006

peixe morto



Existem diversos métodos "prontos" para brigar com os outros, seja com o marido, sejam com os familiares, os colegas de trabalho, os amigos. O uso desses métodos ao longo da vida nos ensina a aperfeiçoá-los cada vez mais a cada dia, principalmente para nossa própria defesa. Saber brigar é um modo de criar uma casca um pouco mais grossa para suportar convívios complicados. Quando a relação é intensa, como num casamento, sociedade ou família, pode-se chegar a requintes impensáveis de manipulação. As variáveis são muitas, e todas entram no teatro para mudar o rumo da discussão, caso o perigo se aproxime. Tudo depende de quem tem mais armas e sabe usá-las com maior maestria pra agredir e se defender. São silêncios, choros, gestos corporais, olhares, falas em outro tom, gritos altíssimos, atitudes fora do comum. Vale a surpresa, vale o uso da razão ou da emoção na hora certa. Vale saber qual é a hora certa.
Na escrita a coisa muda de figura, mas com tantas relações virtuais que utilizam essa forma de comunicação, estamos sendo obrigados a nos aprimorar. O que antes era apenas berrar em caixa alta aperfeiçoa-se para sutilezas da escrita ou até para o uso da não-escrita. Um e-mail com uma única palavra é muito mais violento que um berro ou um tapa na cara, um texto exageradamente explicativo denota carência e súplica, a não-abordagem do assunto em questão no texto significa indiferença. A escrita, para ter mesmo poder do corpo e da expressão da voz precisa se afinar, e eu sinto que estamos, nesse momento virtual, buscando melhoras – ou, explicando melhor - descobrindo outras formas de diálogo também para a defesa.
A agressão pelas palavras, usada direta ou indiretamente e justamente por estar impressa, tem o poder de se repetir inúmeras vezes. Esse auto-eco que materializa uma briga escrita é, na minha opinião, um dos grandes méritos e grandezas da discordância escrita. As palavras re-lidas engrandecem de forma única a desavença, tornando-a fantásticamente poderosa. Quase perpétua. Diante de um conflito teclado, as formas que as pessoas usam para agredir são diversas. Eu gosto de usar a fórmula das palavras escritas no passado deturpadas. É mais ou menos assim. Pega-se uma frase de um texto que a pessoa te mandou num momento de fragilidade, tristeza ou desespero, tira-se a frase do contexto e envia-se em letras de caixa alta e negrito. Pronto. É um tipo de agressão irrespondível, perfeita. Não há arma que você possa usar contra o que você mesmo falou. É uma tática interessante, e talvez a mais cruel delas. Algo que só é possível nesses tempos de e-mail. Mas não deixa de ser uma tática, um truque para machucar o outro. Um truque que, por estar escrito e materializado, pesa ao ser segurado nas mãos e arde a cada leitura, diferente de um discussão real que pode ser dissipada pelo vento ou até por um fortuito beijo. As palavras furiosas e más, uma vez escritas, passam a existir como um peixe morto, gosmento e gélido nas nossas mãos, que podemos olhar e re-olhar inúmeras vezes, inacreditavelmente, para concluirmos que não sabemos, realmente, o que fazer com aquilo.
Sim, há muito que aprender ainda nessa virtualidade.

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