segunda-feira, 24 de julho de 2006

o fim das igrejas matrix



Foi no meio de uma das viagens de carro. Imaginamos que chegaríamos ao nosso destino no final da tarde, mas como eu e minha família somos muito, mas muito, mas muuuito atrasados mesmo, estava escurecendo e nem tínhamos alcançado a metade do caminho.
- Ixi. Melhor a gente parar e dormir nessa cidade, gente - eu sugeri.
Era uma cidade do interior de tamanho médio, como qualquer cidade de tamanho médio do sudeste e do sul do Brasil. Pelo guia descobrimos havia um hotel razoável no local, “para eventos”. Ora, se executivos vão até lá para participar de congressos e conferências, estaria tudo ótimo para nós.
Depois de nos hospedarmos, resolvemos tomar um café e conhecer a tal cidade. Ver a praça, a igreja “matrix”, a prefeitura, a rua do comércio, tomar um sorvete, essas coisas que eu e meio mundo sempre fazemos quando vamos a uma cidade do interior.
Pegamos uma avenidona e andamos por ela todinha, mas não achamos nada que nos lembrasse um centro. Andamos em todas as indicações de bairro, de pontos de referência, de placas, até que caímos numa rua com muito comércio e uns edifícios mais antigos. Percorremos a rua toda, mas parecia que a coisa não... pegava. Era muito estranho. Aquela rua não parecia uma rua de comércio de uma cidade de tamanho médio de interior, pois estava vazia demais. Foi quando apareceu uma praça com um estacionamento dentro. Entupida de carros. Bem, naquela praça até havia uma igreja, mas o prédio não tinha destaque nenhum. Não, aquela não era a pracinha principal da cidade. Impossível! Cadê tudo?
- Vai ver que não tem, ô mãe. Vai ver que essa é uma cidade sem praça e sem igreja.
- Impossível, Chico. Não existe cidade no mundo uma cidade sem centro, e não existe no Brasil cidade sem pracinha e sem igreja "matrix". Não no Brasil, não no interior. Tem algo muito esquisito nessa cidade.
- Cidade mais estranha – falou o Zé.
A resposta veio no dia seguinte, na saída da cidade. Quando fomos pegar a estrada, demos de cara com um mega blaster super hiper shopping. Paramos o carro e fomos verificar. Era inacreditável. Estava tudo ali. Todo o comércio da cidade, tanto o local quanto o globalizado, com seus Boticários e Chili Beans da vida. Estava lá o supermercado, a academia de ginástica, o cinema, o bar com o choppe tradicional, a sorveteria. Tudo lá dentro, fechado, climatizado e bem longe da... cidade. E nesse lugar, num dia de semana, de manhã, estava lotadaço, como deveria estar a cidade, que estava às moscas.
Olha, quer saber? Absurdo shopping. Eu nunca liguei muito para essa briga, nunca fui radicalmente contra os shoppings como alguns colegas arquitetos, não sou uma pessoa saudosista, mas é visível no desenho urbano de uma cidade que a construção de um mega shoppings fechados detona o perfil urbanístico do local. Com essas construções encaixotadas, que hoje em dia existem em todas as cidades, estamos acabando com as cidades do interior. Posso estar falando bobagem, não sei se é pensado para ser assim, se existe um projeto de urbanismo em tais cidades onde essas construções melhoram a cidade e dão espaço para outras atividades. Pode ser, mas acredito que não. Acredito que estamos a mercê de um modismo baseado no consumo e que e dane-se todo o resto. Sem igrejas, sem sorveterias, sem pracinha. O Zé acha que deveríamos iniciar uma campanha contra os shoppings, mas acho impossível a gente, nessa altura do campeonato, querer eliminar a idéia do shopping. Quem somos nós contra os Boticários da vida. O ideal seria, acho eu, fazer movimentos a favor das igrejas matrix.
SOS pracinha!
Bom, tomamos um café ótimo no shopping escuro. O lugar era cheio de TVs e seguranças. Só não tinha igreja lá dentro. Mas convenhamos, nos shoppings os santos são outros.
Pois é. Já vi isso em algum lugar.

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