segunda-feira, 26 de junho de 2006

bolhas neoclássicas



Atrás da minha casa existe uma avenida. Como ela ficou muito movimentada, as casas antigas começaram a ser demolidas dando lugar a uns predinhos residenciais. Por ser um corredor de uso especial, o que a legislação permite são prédios de três andares. Logo, logo terei um deles como vizinho de fundos.
Um deles, que está em obras do outro lado da avenida, tem um projeto que lembra uma vila neoclássica. São Paulo hoje é uma cidade neoclássica, já repararam?
Quando a obra começou, fui olhar as perspectivas. Como o terreno é enorme, o empreendimento parecia ter espaços super generosos. Porém ontem, passeando com o Zé, passamos em frente e, além de olharmos atentamente a obra, vimos a maquete.
Gente, dá licença. É tudo mentira. A perspectiva, a maquete, a obra, tudo. O lugar é mínimo, os apartamentos, uns ovinhos. Detesto gente que mente nos desenhos, nas plantas. Além de tudo, a distância dos prédios até a avenida é mínima, a distâncias entre os prédios é mínima, a escala de tudo é mínima. Um absurdo a enganação. Mas o que mais me deixou surpresa foi uma constatação que cheguei depois de uma conversa com o Zé na frente da maquete do predinho. As salas dos apartamentos são coladas na avenida, o que não combina com um apartamento todo chique, alto padrão e ainda por cima, neoclássico.
- A avenida, Lu? Mas isso não é mais problema – falou o Zé.
- Isso o quê?
- Morar numa avenida. Essa questão, a do barulho, acabou.
- Acabou?
- Óbvio. As pessoas não abrem mais as janelas dos apartamentos. Vidros duplos, caixilhos acústicos e ar condicionado. Acabou essa coisa de tomar um ar, de ficar na varanda olhando o movimento.
Ele tem toda razão. Atualmente nos empreendimentos de alto padrão não temos mais o fora. Tudo é condicionado, as janelas são estanques. Os moradores não sentem o cheiro, o barulho e o clima da cidade. Estão dentro de bolhas de morar. Vêem, mas não são vistos. Assistem o lugar que moram como quem olha uma televisão da janela, assepticamente. Assim, o que vale é o endereço, mas não propriamente o local. Coisa mais esquisita, se a gente pensar bem. O pior é imaginar o cidadão saindo dali com seu carro condicionado e fechado e indo para um shopping também condicionado e fechado.
Acho que isso também explica alguns prédios de alto padrão em Cidade Jardim, perto de avenidas e da Marginal Pinheiros. Sem cheiro e sem barulho é possível morar próximo de uma avenida cheia de túneis, barulhenta e movimentada, mas num endereço chique. São bolhas neoclássicas.
É uma estranha maneira de morar, essa, de viver trancado e condicionado e dentro da cidade. É um estranho modo de ver a cidade. O esquisito é que vende. Mais esquisito é que ninguém percebe.

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