terça-feira, 30 de maio de 2006

the dark side of cajuína



Estávamos num restaurante no domingo à noite. Foi aniversário do meu filho mais velho no sábado, ele estava num acampamento da escola e não pudemos comemorar. No dia seguinte, quando ele chegou, fomos jantar fora.
Ele estava feliz da vida e, logo que sentou na mesa, começou a cantarolar batucando na mesa. Eu olhei para ele e ri.
- São as músicas do acampamento, mãe – ele explicou – ... fizemos uma fogueira, um dos monitores tinha um violão, aquelas coisas meio cafonas, você sabe... O problema é que quando o violão não é da gente não dá pra escolher as músicas...
Ele fez uma cara desanimada.
- E as músicas eram ruins?
- Eram todas MPB, que eu gosto médio. Você sabe.
- Não dá pra cantar Pink Floyd na fogueira.
- Tá, mas não precisava cantar tanto Lulu e os litorais desse oceano Atlântico, né?
- Há. Eu adoro – declarei.
Ele riu e balançou a cabeça.
- E é justamente por causa disso que eu não gosto. Dã. Cantar a música da mãe?
- Aposto que tocou Drão.
- Claro. E Cio da terra e É cedo ou tarde demais para dizer adeus e jamais.
- Previsível.
- E ainda teve a pior – ele parou e me olhou fixo – Você não sabe qual a pior que tocou
- Qual?
Ele respirou fundo.
- Cajuína, mãe.
- Ai – eu disse.
Eu sabia. Mesmo que naquele momento eu implorasse para que ele não fizesse aquilo, seria inevitável. Ele ia cantar a música ali na mesa e naquele momento e eu estaria perdida, pois aquela música entra na cabeça e não sai mais.
Nunca mais.

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina.

- Não, filho, ah que droga!
- Hahhaha. Já fiz. Agora não tem mais jeito, né mãe?
- Não.
- Como você sabe disso? A gente nunca falou sobre essa música na vida, eu e você!
- Pra você ver... Não precisa falar. Cajuína é um problema universal. Não sai da cabeça por dias. É insuportável. Ela gruda, fixa, cola. E é interminável. Horrível.
Pedimos o jantar, a sobremesa, o café a conta. E saímos do restaurante cantando.
Fazer o que.

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina...

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