O João foi viajar numa excursão da escola no domingo de manhã, seis horas.
- Vamos filho. Acorda.
Fomos para o local combinado arrastados, eu e ele. Mala, filtro solar, roupa de cama, lanterna e sleeping. Carteira de identidade original.
- Leva uns biscoitos. Toma o dramim. Pega o boné.
Chegamos. Aquele monte de mãe e pai parado olhando as malas e os filhos. O ônibus ligado, um professor com uma prancheta anotando. Ainda não chegaram todos, ele explicou.
- Um absurdo. A gente acorda cedo e tem gente que não tá nem ai - disse um pai bocejando.
Achei duas mães conhecidas. Amigas.
- Tudo bem? - cumprimentei.
- Claro que não – falou uma delas, rouca - Isso é doentio. Pra que viajar a uma hora dessas no domingo.
- Coisa mais sem graça – falou a outra - Muito cedo...
Mais bocejos.
Chegou um pai correndo. A roupa parecia um pijama.
- Isso é um pijama – cochichou uma das amigas – Vende naquela loja da Hering ali da avenida.
- Olha – mostrei os pés do cara – Nem calçou o tênis, tá vestido feito chinelo.
- Acordou dez minutos atrás - riu a amiga.
Foi quando chegou a chata. Olha, já pensei muito e ainda não entendi exatamente o quê faz uma pessoa ser considerada extremamente chata. Mas aquela mãe que chegou ali, atrasadinha, correndo, era a maior chata do mundo. Pode ser que fosse a roupa, a voz, o jeito, a atitude, os saltitos, as decisões, o modo de se comportar no grupo, sei lá.
Chata.
Muito chata.
Ela veio toda rapidinha, abraçando a filha e carregando a mala. A gente lá morta de sono e despencada e ela toda acesinha, andando, falando.
- Olha Jujú, eu vou te deixar e vou me embora! Não preciso ficar aqui esperando o ônibus sair, não é? Você não é mais nenê! – ela disse bem alto – Né, filhota? Vou te deixar e ir embora que isso não é pré primário!
E antes que a filha respondesse, ela deu um beijo na menina, largou a mala com o motorista e catapimba: saiu correndo toda-toda. E na hora que saiu, disse bem alto.
- Ai genti, eu vou é dormir!
Urgh.
Que ódio. Ficamos todas, eu, minhas três amigas e o pai de pijama, parados e de boca aberta assistindo a cena.
Chata, pensamos em uníssono eu e minhas amigas.
Chata, chata, chata.
Que mulherzinha chata.
Como eu disse, não sei explicar, exatamente, porque naquela hora aquela mãe virou a maior chata de todo o universo . Mas ali ela foi insuportável, metida, irritante e merecia não dormir por uma semana só de castigo. Que coisa era aquela de ir embora antes do ônibus partir e dormir? Estávamos todos mortos de sono, mas não pode. Tem regras. Mães legais, em dia de excursão, tem que reclamar e ficar. É assim que a gente não é chata. É coisa de amiga, de igual, que sofre junto.
Mas ela não. Ela, a chata, abriu mão de uma dedicação à filha e principalmente de uma dedicação à nós para descansar. Ou seja, ao invés de se dedicar ao grupo dela, ela ia se dedicar à ela. Mãe mais desnaturada com as outras mães. Egoísta. Chata.
Uma das minhas amigas me olhou.
- Quer saber? Só saio daqui expulsa.
- Idem – falou a outra – Só tiro o pé daqui quando o ônibus sair.
Eu olhei para as duas. Era um tipo de vingança.
- Eu também. Fico até o último minuto.
Foi ali que nós três, sem falar uma única palavra sobre a chata, tivemos certeza do que significava aquele momento nas nossas vidas. O João está crescendo, mas é meu filho menor com seus doze anos. Os outros dois não me querem por perto na escola, nos encontros, nas partidas das excursões. Tem vergonha. Morro de saudade de ser mãe mais um tempo, acho um absurdo não ter mais filhos, essa nossa sociedade tão maluca que coloca um fim na capacidade de reprodução feminina depois de uma quantidade de filhos. Assim o João é o menor, tenho pouco tempo para cuidar dele, as coisas acabam e depois eu sei que vou morrer de saudade. Saudade de cuidar, de dar beijo, de ficar pulando na frente do ônibus dando tchauzinho. De ser mãe e de ser bem ridícula, bem exagerada.
- Eu fico até o João me expulsar – falei, rindo.
Ficamos dando tchau para os vidros fechados junto com o pai de pijama até o ônibus ir embora. Felizes com nossos filhos, com sono, com vontade de aproveitar a maternidade até o finzinho.
Afinal, não somos chatas.
- Um absurdo. A gente acorda cedo e tem gente que não tá nem ai - disse um pai bocejando.
Achei duas mães conhecidas. Amigas.
- Tudo bem? - cumprimentei.
- Claro que não – falou uma delas, rouca - Isso é doentio. Pra que viajar a uma hora dessas no domingo.
- Coisa mais sem graça – falou a outra - Muito cedo...
Mais bocejos.
Chegou um pai correndo. A roupa parecia um pijama.
- Isso é um pijama – cochichou uma das amigas – Vende naquela loja da Hering ali da avenida.
- Olha – mostrei os pés do cara – Nem calçou o tênis, tá vestido feito chinelo.
- Acordou dez minutos atrás - riu a amiga.
Foi quando chegou a chata. Olha, já pensei muito e ainda não entendi exatamente o quê faz uma pessoa ser considerada extremamente chata. Mas aquela mãe que chegou ali, atrasadinha, correndo, era a maior chata do mundo. Pode ser que fosse a roupa, a voz, o jeito, a atitude, os saltitos, as decisões, o modo de se comportar no grupo, sei lá.
Chata.
Muito chata.
Ela veio toda rapidinha, abraçando a filha e carregando a mala. A gente lá morta de sono e despencada e ela toda acesinha, andando, falando.
- Olha Jujú, eu vou te deixar e vou me embora! Não preciso ficar aqui esperando o ônibus sair, não é? Você não é mais nenê! – ela disse bem alto – Né, filhota? Vou te deixar e ir embora que isso não é pré primário!
E antes que a filha respondesse, ela deu um beijo na menina, largou a mala com o motorista e catapimba: saiu correndo toda-toda. E na hora que saiu, disse bem alto.
- Ai genti, eu vou é dormir!
Urgh.
Que ódio. Ficamos todas, eu, minhas três amigas e o pai de pijama, parados e de boca aberta assistindo a cena.
Chata, pensamos em uníssono eu e minhas amigas.
Chata, chata, chata.
Que mulherzinha chata.
Como eu disse, não sei explicar, exatamente, porque naquela hora aquela mãe virou a maior chata de todo o universo . Mas ali ela foi insuportável, metida, irritante e merecia não dormir por uma semana só de castigo. Que coisa era aquela de ir embora antes do ônibus partir e dormir? Estávamos todos mortos de sono, mas não pode. Tem regras. Mães legais, em dia de excursão, tem que reclamar e ficar. É assim que a gente não é chata. É coisa de amiga, de igual, que sofre junto.
Mas ela não. Ela, a chata, abriu mão de uma dedicação à filha e principalmente de uma dedicação à nós para descansar. Ou seja, ao invés de se dedicar ao grupo dela, ela ia se dedicar à ela. Mãe mais desnaturada com as outras mães. Egoísta. Chata.
Uma das minhas amigas me olhou.
- Quer saber? Só saio daqui expulsa.
- Idem – falou a outra – Só tiro o pé daqui quando o ônibus sair.
Eu olhei para as duas. Era um tipo de vingança.
- Eu também. Fico até o último minuto.
Foi ali que nós três, sem falar uma única palavra sobre a chata, tivemos certeza do que significava aquele momento nas nossas vidas. O João está crescendo, mas é meu filho menor com seus doze anos. Os outros dois não me querem por perto na escola, nos encontros, nas partidas das excursões. Tem vergonha. Morro de saudade de ser mãe mais um tempo, acho um absurdo não ter mais filhos, essa nossa sociedade tão maluca que coloca um fim na capacidade de reprodução feminina depois de uma quantidade de filhos. Assim o João é o menor, tenho pouco tempo para cuidar dele, as coisas acabam e depois eu sei que vou morrer de saudade. Saudade de cuidar, de dar beijo, de ficar pulando na frente do ônibus dando tchauzinho. De ser mãe e de ser bem ridícula, bem exagerada.
- Eu fico até o João me expulsar – falei, rindo.
Ficamos dando tchau para os vidros fechados junto com o pai de pijama até o ônibus ir embora. Felizes com nossos filhos, com sono, com vontade de aproveitar a maternidade até o finzinho.
Afinal, não somos chatas.
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