segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

beijos no asfalto e beijos na montanha



Existem alguns assuntos que, embora não sejam os mais importantes da vida, precisam ser falados, uma hora ou outra. Quando vivemos em sociedade, temos um estranho compromisso com a humanidade de ter opiniões sobre assuntos que são pautas durante algumas épocas.
Em época de eleição isso é evidente. Tudo gira em torno dos candidatos e partidos, e não é fácil disfarçar e não se declarar. Nessa época acontecem coisas engraçadas com os meus amigos. Até então eles são uma grande turma, mas em épocas de eleição, viram duas ou três, que brigam, discutem e se implicam.
- Nossa. Viu o fulano? Viu em quem vai votar?
- Não acredito. Mas todos amigos dele...
- Pois é. Ninguém pensou.
- Mas a ex mulher é...
- Quem diria.
Na verdade, podemos sempre dividir o mundo em diversas 'duas' partes. Lula e Serra, quem vai em show e quem não vai, quem usa bidê e quem não usa, quem tá no orkut e quem não está, em quem entra em blogs e quem não entra, e até quem tem celular e quem não tem – pois tem gente que até hoje se recusa a adotar um celular. Impressionante como conseguem.
Mas tudo isso para falar que, nessas últimas semanas, eu estou sendo pressionada como nunca para dizer o que o eu acho do filme do Brokeback Montain. O mundo se divide em duas partes novamente: quem gostou e quem não gostou do filme dos cowboys gays. Fui assistir correndo na semana passada porque eu e o Zé estávamos completamente deslocados socialmente, boiando nas conversas de jantares, praticamente passando vergonha.
Mas além de assistir, é preciso ter uma opinião.
Então, antes de qualquer coisa, vou me posicionar. Eu gostei do filme. É uma história ótima sobre a repressão aos homossexuais, e qualquer filme, movimento, campanha contra qualquer tipo de repressão eu apoio. E o conflito do cowboy loiro, que não vê solução para aquele amor na vida dele, é emocionante. Quantas vezes não passamos por situações semelhantes onde não vemos saída para as arapucas da vida? Ele não consegue ser nem fazer mais nada. Empaca ali, longe do homem amado, longe do ranchinho. Coitado.
- Não acha, Zé? – repliquei logo que saímos do cinema.
- Achei a fotografia linda, um verdadeiro quebra cabeças – falou o Zé, me zombando.
Ele tem a maior implicância com gente que elogia a fotografia dos filmes.
Pronto. Agora que já fiz minha parte, deixa eu falar o que eu queria. É que eu fiquei pensando o que seria, no nosso universo atual, uma coisa tão chocante quanto ser gay em Wyoming naquela época. Sim, porque na verdade, o que fez o filme ser isso tudo foi a esquisitice da situação. Dois machões não podem se apaixonar naquele tempo e naquele lugar. Era perigoso demais.
Bom, pois saibam que quebrei a minha cabeça para chegar em algo semelhante. O máximo que consegui foi imaginar duas senhoras do interior, já avós, que se apaixonassem, mas isso não me pareceu um grande problema.
Foi quando eu entendi. Nós já fomos anestesiados, gente. Já tivemos as nossas montanhas e os nossos cowboys há algum tempo. Tudo que possa nos vir à cabeça em termos de repressão já nos foi dito pelo Nelson Rodrigues. Aliás, não foi falado. Foi falado, encenado e discutido. A história dos cowboys americanos, sinceramente, não me parece tão terrível e duvido que pareça ao resto do povo brasileiro. Histórias como essa todos nós já assistimos.
E muito.
Bom, mas Hollywood é Hollywood, e eles tem só hoje os seus cowboys gays.
Já nós tivemos o nosso beijo no alfalto há mais de quarenta anos atrás...

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