sábado, 3 de dezembro de 2005

O fígado da astronauta



Depois de uma batelada de exames, o médico achou alguma coisa no meu fígado. Eu nem imaginava que tivesse fígado. Estômago eu sei que tenho, pulmão idem, mas fígado, nunca notei.
- Acho que não é nada, mas melhor fazer uma ressonância.
- Doutor, não dói, não incomoda, não vejo, é um exagero, não...
- Não discuta, lúcia.
Bom, como médico é médico, lá fui eu com o Zé para o departamento de exames de um hospital atendido pelo plano de saúde. Chegamos, era no subsolo. Instruções, muitas salas de espera, muitas fichas para preencher.
- A senhora coloque esse avental e aguarde naquela sala.
Parecia que eu ia para a lua. Não sei se era por causa da falta de janelas, porque estávamos no subsolo ou porque todos usavam uniformes, mas parecia que eu estava fazendo um estágio na NASA para passar uns dias num ônibus espacial.
- Por aqui, senhora.
Chegou minha hora, entrei na sala e lá estava o famoso tubo da ressonância magnética.
- A senhora tem claustrofobia? – perguntou a mocinha.
- Hum. Acho que não.
Ela explicou direitinho.
- A senhora irá entrar ali – e ela apontou o buraquinho - Daremos algumas instruções pelo sistema de som durante o exame e a senhora tem que obedecer.
- Instruções?
- É. Basicamente pediremos para a senhora prender a respiração e soltar. Se a senhora não se mexer, o exame demora cerca de meia hora. Se a senhora se mexer demora mais. Na sua mão colocaremos uma campainha, qualquer coisa aperte. Não adianta falar lá dentro.
Eu estaria realmente na lua.
- Só que a senhora não pode dormir, dona Lúcia, pois tem que responder às instruções.
A moça saiu e voltou com uma uma enorme injeção.
- Que é isso?
- Um remédio. Buscopan. Como a ressonância da senhora é no abdômen, não podemos deixar o abdômenm da senhora se mexer. Esse remédio serve para relaxar o abdômen.
Fui injecionada e me deitei. A cama era estreita, mas confortável. A moça me deu um travesseiro, colocou cobertores. Fiquei quentinha, agasalhada, estava gostoso. O lugar era silencioso, ouvia-se apenas um chiado da máquina. Depois de um tempo eu comecei a bocejar. Olha. Sou um pouco fraca para remédios. Eu não imaginava, mas aquela injeção de Buscopan me relaxou um pouco a mais do que o necessário. Não foi só meu abdômen que relaxou. Eu relaxei. Ouvi uma voz vindo da terra. Era o médico, que me assistia através de uma vitrine.
- Dona Lúcia, a senhora está bem? Vamos testar a campainha, aperte.
Eu apertei lentamente...
- Muito bem. Agora vamos entrar na ressonância, está certo...? Lembro para a senhora que, qualquer problema, é só tocar a campainha....
Bocejei. A voz estava a quilômetros de distância.
A máquina começou a se mexer e eu entrei no tubinho, bem devagarzinho. Ô coisa boa. Só sei que, naquela hora eu já estava pra lá de cochilando naquela nave. Estava no meio das estrelas, naquele estágio de quase sono. Nossa, que moleza.
Bem, dormi.
Não sei o que aconteceu em seguida. Provavelmente causei um grande distúrbio, pois, quando acordei, uma hora e meia depois, me vi numa mini UTI, com um monte de pessoas de máscara ao meu redor. Eu estava com oxigênio, aparelho de pressão, medidor de batimentos cardíacos, com o caramba a quatro e quase de ponta cabeça, toda afivelada numa cama inclinada. Abri os olhos.
- Ela acordou doutor, ela acordou.
Gente, ER era pouco.
- A senhora está bem? – perguntou a junta médica, assustada.
- Eu dormi?
Foi dificílimo convencer os astronautas que o que eu tive foi apenas... sono. Mas foi, juro. E que coisa boa. O remédio me deu sono e eu simplesmente dormi. E depois de ser examinada por uma enorme junta médica, voltei ressuscitada para o tubo para... fazer o exame de novo. Bem, perdi o dia todo por causa da minha soneca na ressonância, mas foi deliciosa. Que lava-jato o quê. Bom é dormir em tubos, o Zé nem imagina.
E o que eu tinha no fígado? Nada. Absolutamente nada.
Mas pelo menos fígado agora eu sei que tenho. Vi nas imagens.

Nenhum comentário: