segunda-feira, 21 de novembro de 2005

havia necessidade?


Éramos recém casados. Na época tínhamos um único carro, um Fiat 147 bem velhinho que dava muito trabalho. Ele morria a toda hora, tinha problemas na caixa de câmbio e depois de uma troca de correia nunca mais foi o mesmo. Começou a bater pino e precisava de uma retifica no motor.
Óbvio que era hora de vender. Colocamos um anúncio no jornal, mas como não tínhamos telefone em casa, demos o telefone da minha sogra e passávamos o final de semana lá, ao lado do telefone.
Que engraçado que eram os tempos pré-celular.
Bom, no começo apareceu muita gente para comprar. Mas todos que vinham ver o carro desistiam. Por mais que a gente fingisse que estava ‘ótimo’, tava na cara que não estava. Assim se passou uma semana, duas semanas e nada do carro ir embora. Resolvemos baixar o preço, veio mais gente, mas ainda assim todos olhavam e desistiam. Olha. Morro de pena que coisas que ninguém quer. Eu estava com tanta pena que quase desisti de vender. Tadinho. Era só velho.
Porém como sempre tem um pé cansado para um sapato velho, apareceu um moço ótimo para ficar com o carro velho: o rapaz era irmão de um mecânico e, para ele, o conserto saia barato. Uma vez que a lataria estava ótima e a quilometragem razoável, era um bom negócio. Ele veio no sábado, olhou e no domingo apareceu com a mulher, o irmão mecânico, a irmã melhor e o cunhado motoqueiro. E resolveu que ia comprar.
O Zé subiu para o apartamento da mãe dele todo animado.
- Ele falou que vai comprar!
- Só acredito vendo – eu disse.
- Eu vou fazer um café para comemorar – resolveu minha sogra.
Subiram todos. O comprador, a mulher dele, o irmão mecânico, a irmã menor, o cunhado motoqueiro. Tomaram café, fizeram piadinhas, pagaram o sinal. O carro seria entregue no dia seguinte depois da transferência bancária.
Bom, nos despedimos no hall do elevador, sempre naquela conversa mole. Olha, é um bom carro, já estou com saudade, nossa eu precisava muito, adoro FIAT, essas coisas. Chegou o elevador, todos embarcaram.
O Zé fechou a porta e olhou para mim.
- Eu – não – acredito!
- Zé, conseguimos! – eu gritei – Viva!
- Eba! Conseguimos mesmo! Não é possível! Sai uruca! Até que enfim! - ele estava eufórico – Eu achei que a gente não ia se livrar desse estorvo nunca mais!
Começamos a pular pela sala, na maior gritaria. Minha sogra entrou assustada.
- Vendi aquela espelunca velha, mãe! Nem acredito, viva!
- Shiu, fica quieto Titine – ela pediu – Escuta...
Ela ficou parada e nós também. Notamos um barulho diferente. Eram uns gritos finos e umas batidas.
- Que é isso? – estranhou o Zé.
- Não sei... - disse minha sogra.
Mas no fundo sabíamos, não queríamos era acreditar. O barulho vinha do hall. Tinha alguém preso no elevador.
Vergonha.
Eram eles, todos.
O Zé me olhou.
- Ai, não...
Sim, era verdade. Eles ficaram presos no elevador exatamente ali, na porta da casa da minha sogra, a menos de dois metros da nossa gritaria carnavalesca de “até que enfim, até que enfim...”! Nem chegaram a descer. Óbvio que tinham escutado tudinho.
- Vamos salvá-los, Zé.
Eles estavam apavorados. Chamamos o zelador, o elevador foi desligado e a porta aberta. Quando eles saíram, o Zé olhou seríssimo para todos.
- Tudo bem com vocês?
- Tudo – falou o comprador, branco.
- Então, até logo – ele disse, seco – A escada é ali, melhor vocês descerem por ela.
Os compradores não falaram nada. Achei que no dia seguinte eles desistiriam do negócio, mas não. E quando o Zé entrou de novo no apartamento a minha sogra, que é mineira, olhou para nós dois e falou uma única frase.
- Havia necessidade?

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