sexta-feira, 4 de novembro de 2005

a cirurgia



A segunda vez que tive que encenar por causa de um projeto foi muito pior. Também envolveu um médico e um projeto para uma outra clínica. Quando você faz um projeto de uma coisa e dá certo, você acaba arrumando outros projetos parecidos para fazer. Acaba especializando, mesmo sem querer. Nessa época eu fiz muitos consultórios e clínicas.
Bom, o dr. Brandão fazia implante de cabelo. Tinha viajado para o exterior e aprendido diversas técnicas para transformar homens carecas em cabeludos maravilhosos. Nunca entendi exatamente qual a diferença entre seu método e um implante tradicional, mas ele dizia que o dele era melhor e mais rápido.
- Eu preciso de um espaço adequado para as cirurgias. Como a intervenção é moderna e inovadora, preciso de um espaço moderno e muito inovador.
- Onde podemos ver um centro cirúrgico como esse que você imaginou? Alguma clinica, hospital? – perguntou meu sócio.
- Tem um lugar que tem, mas vocês não podem ir.
- Porque?
- Ora, porque é a clinica do meu concorrente. Embora ele seja um colega, não posso pedir a ele para vocês irem lá.
Concordamos. Não pegava bem. Ele ficou de achar outro lugar.
Depois de uma semana, recebemos um telefonema do dr. Brandão.
- Consegui.
- Conseguiu o que?
- Uma visita na clínica do médico concorrente. Vocês vão poder conhecer o centro cirúrgico e tudo mais. Só não vão poder tirar medidas, só olhar.
- Ah. E ele vai estar lá? – perguntei.
- Sm, mas quem vai mostrar tudo é uma moça da equipe dele, a Patrícia.
Meu sócio foi logo avisando.
- Nem vem. Em centro cirúrgico eu não entro. Você sabe que eu não posso ver sangue nem sentir aquele cheiro.
Suspirei. De novo? Tudo eu?
A Patrícia me ligou no dia seguinte. Combinou de me pegar no escritório às três.
Era uma moça loira, cabelos encaracolados, falante, e, depois de um pequeno papo, descobri que a coisa não era exatamente como o doutor Brandão dissera.
Ela ia mostrar a clinica, mas eu iria escondida e teria que me fingir de... prima.
- Como é, Patrícia? Sua prima?
- Que tem de mais? Você será a minha prima que veio de Cuiabá, que fez enfermagem também e está aqui comigo essa semana.
- Patrícia, eu...
- Fica fria – ela disse – Responde só ‘sim’ ou ‘não’ e sorria. Ah, e se alguém perguntar, fala que fez enfermagem na Federal e que acabou no ano passado. O resto eu me viro.
Sei lá, tive vergonha de desistir naquele instante. É dessas coisas que me dão na hora “h” e que eu fico sem ação e me deixo levar. É um eterno medo de falar não e jogar tudo para o alto. Um dia eu aprendo a ser mais esperta e descolada, pois eu sou uma verdadeira panaca.
Ô coisa.
Fui.
A coisa era bem pior do que eu imaginei. A Patrícia estava indo para a clínica do médico concorrente porque estava escalada para fazer uma cirurgia. E eu, para conhecer o local, teria que entrar com ela.
Na cirurgia.
E mais.
Eu teria que assistir a cirurgia.
Na verdade, era pior ainda. Ela tinha dito para o médico que eu nunca tinha visto um procedimento daqueles e que estava curiosa. Prima do interior, sabe como é. E ele resolveu me explicar tudo.
- Você desmaia?
- Não, mas...
Entramos no local. Conheci as salas de espera, as salas de consulta, as salas de exame, a copa. É minha prima, ela dizia a todos, toda pirilampa. Depois subimos ao andar superior, onde eu tive que me paramentar toda com uma roupa de operação, touca e pantufas. O médico, o concorrente do Dr. Brandão, chegou e me disse que, como eu estava interessada no procedimento, ia me explicar passo a passo. Nojento. Asqueroso. Repugnante. Ainda bem que eu estava com a máscara, pois ninguém via minha expressão de asco e minhas caretas. Eu tremia da cabeça aos pés. Não sabia para onde olhar, não conseguia entender patavina do projeto da sala cirúrgica e estava morta de medo do médico descobrir que eu era uma farsa a chamar a polícia. Eu poderia ser expulsa dali a qualquer instante. Ou sei lá. Presa.
Depois de uma eternidade, a cirurgia acabou. Consegui ser mais rápida que todos, peguei minhas coisas e dei no pé. Correndo. A prima falsa fugida. Cheguei no escritório branca de pânico. Raiva que me deu desse doutor Brandão.
- E ai, como foi? – perguntou o meu sócio – deu para entender o centro cirúrgico?
Meu sócio era completamente careca. E eu estava furiosa.
- Não. Mas sei direitinho como implantar uma floresta na sua cabeça. Quer que eu faça isso?

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