quarta-feira, 12 de outubro de 2005

trauma de loira

(eu, uma mãe ~"não loira", desenhada pelo meu filho João B. aos 5 anos)

Não dá mais para adiar. A situação está constrangedora, a aparência horrível, já surgiram as raízes brancas, as mechas mais claras estão com aparência de piaçava e se eu fosse me comparar com alguém, seria com a bruxa Meméia.
Resumindo, tenho que pintar o cabelo.
Falando em cabelos, essa semana recebi um comentário muito simpático do blogueiro Jôka P., do Avenida Copacabana. Ele me disse que, além dele, a mãe dele, Gigi P., também lê meu blog. Nessa conversa de mães, ele se lembra de uma foto da minha mãe que eu postei aqui, e me conta que a mãe dele também é loira, como a minha.
Bom, e é sobre isso que eu queria falar. Sobre a loirice da minha mãe.
Desde que eu existo que a minha mãe é loira. Os cabelos dela já foram mais curtos, mais compridos, às vezes ligeiramente mais lisos, mas sempre loiros.
Todos os desenhos que eu fiz da minha mãe na minha infância são assim. Uma mulher loira, de olhos verdes, ao lado do meu pai, de olhos pretos, cabelo preto e bigodinho. Nos desenhos eu caprichava nas cores e nunca esquecia de fazer a roupa branca do meu pai, que era médico.
A loira e o médico de bigodinho.
O tempo passou, infelizmente meu pai morreu e minha mãe ficou viúva. Um certo dia, quando eu tinha mais de dezoito anos e já estava na faculdade, reparei na minha mãe defronte da pia do banheiro, com a cabeça toda empastelada com uma gosma marrom.
- Quer entrar, Lucia? Eu já saio, já acabei.
- Não, mãe, eu tava só te olhando.
- Olhando o quê?
- Essa coisa que você está fazendo no cabelo. Que é isso?
- Ué. Nunca me viu pintando o cabelo?
- Hã?
- Lúcia, desde que você é pequenininha que você me vê colocando tinta no cabelo. Agora resolveu reparar?
- Mãe, eu sempre vi, mas... nunca pensei para que isso servia.
- Ora. Serve para pintar o cabelo, filha.
- Você pinta... os cabelos brancos?
- Imagina, eu não tenho cabelo branco ainda. Eu pinto o meu cabelo, que é castanho, de loiro, ora.
Eu fiquei estatelada, em estado de choque. Minha mãe não era loira? Como assim? Fiquei confusa, momentaneamente decepcionada, sem chão, sem eira nem beira. Ora, uma mãe não pode fazer isso com uma filha. A imagem que fazemos das nossas mães na infância é das coisas mais sagradas do universo. Aquilo foi para mim uma das mais terríveis revelações da minha vida. Vivi dezoito anos com uma mãe loira, me vangloriava de sua loirice para Deus e o mundo, e um dia, sem mais nem menos, descubro que tudo aquilo é mentira? Minha mãe, uma loira falsificada? Céus, traumatizei. Meu mundo caiu.
- Mãe. Tá brincando que você não é loira.
Ela deu um longa risada.
- Claro que não, Lúcia! Que idéia! Eu pinto o cabelo de loiro desde o dia que conheci seu pai. Foi assim: eu soube que ele gostava de loiras, e, como eu estava interessada nele, pintei. Nos conhecemos, ele gostou de mim e me pediu que eu fosse sempre loira, pois dizia que combinava com meus olhos. Agora acho estranho não ser mais loira. Então eu pinto.
- Mãe do céu..
Ela dava risada.
- Tá impressionada, é?
- Muito.
- Eu acho que tenho alma de loira, filha. Não custa nada dar uma forcinha para a natureza.

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