sexta-feira, 14 de outubro de 2005

brigas e birras



Acabei de enfrentar uma discussão sobre um conserto de um vídeo game que acabou em uma briga com meu filho. O diacho da coisa quebrou e ele ficou furioso, pois tinha acabado de comprar um jogo e queria jogar.
Eu sei que essas coisas dão raiva. Entendo a fúria dele. Mas ele queria consertar o aparelho naquele instante, estava nervoso, chateado. Eu trabalho em casa, o que não significa que não trabalhe e esteja disponível, ao contrário, como não tenho horário de entrada e saída, acho que trabalho muito mais. Disse categoricamente “não” e ele ficou furioso. Gritou, desrespeitou meu trabalho, interrompeu o telefonema que eu dava, invadiu o espaço do meu escritório. Fiquei brava, coloquei o menino de castigo.
Quando sentei aqui de novo, estava exausta.
Olha.
É bem difícil educar um filho. Precisamos ficar bravos, nunca raivosos. Braveza é uma coisa, raiva é outra. Um pai ou uma mãe não podem, nunca, ter raiva do filho durante uma briga. E a braveza deve ser contra a ação, e não contra a pessoa. Essa diferença que, para mim, é essencial. Já os filhos, não sei. Existe um componente raivoso no ser humano que me assusta. Já as crianças, quando ficam bravas, não sabem discernir as pessoas dos problemas. Quando percebo, a culpada do videogame quebrar fui eu.
Desde que os meninos são pequenos que noto que quando são contrariados eles se enfurecem. Quando eles eram bebês, a fúria era contra o limite corpo. Berravam como se fossem explodir. Um pouco maiores, as birras. Acho que eles sabem, quando pequenos, que pais servem para conter filhos no colo, nos braços, no limite do abraço. Numa birra a criança não se deixar pegar, abraçar. É assim que eles manifestam a raiva, nos impedindo de amá-los. Um dia minha filha deu um enorme escândalo no clube porque queria balas. Gritava, berrava, se atirava no chão e não deixava ninguém se encostar nela. A fúria, a vontade de xingar, de bater, manifestava-se contra a minha contenção, contra o meu abraço.
Já maiores, eles passam a bater, tacar coisas, empurrar, quebrar brinquedos, chorar. A raiva ainda é física e pouco verbal, sem recheios de palavras feias. No final da infância, berros, palavrões, ameaças. Um pouco mais tarde, as lutas, os socos, os tapas, os arranhões, os puxões de cabelo.
É difícil assumir que isso acontece, mas acontece. Nas melhores famílias.
O meu filho mais velho tem, tatuada na perna, uma garfada que ganhou da irmã. Quatro furinhos, um ao lado do outro. Já ela tem uma marca no rosto de uma arranhada dele. São histórias escritas na pele que eles carregarão até o final da vida. Acho impressionante levar consigo marcas de violência. Eu me espanto, mas eles riem, se gabam. Foi minha irmã que fez, diz aos amigos.
Até hoje não sei como lidar com essa agressão com quem a gente gosta. Familiares, irmãos, pais, devem ser adorados, nunca fulminados. Mas me parece ser da natureza humana esse sentimento de ódio. Ora, e isso também acontece comigo. O quanto que eu já não briguei com o Zé, com minha mãe, com minha irmã.
Mas isso são coisas que as famílias guardam a sete chaves, em reserva, em segredo. Brigas e birras não devem ser comentadas. Brigas não são pautas de conversas, assunto. São segredos, como manchas nas roupas de cama, nas roupas íntimas, nas paredes da casa, nas rachaduras da alma.
- Não fica muito perto que dá briga – dizia minha mãe.
- Desgruda, que daqui a pouco vocês brigam – eu digo aos meus filhos.
- Brincadeira de mão, brincadeira de cão – fala o Zé, repetindo o ditado.
Ora, se sabemos que ficar perto dá briga, porque aceitamos o casamento e moramos todos na mesma casa, grudados, pai, mãe, filhos? Ficar perto não “dá briga”? Não deveríamos “desgrudar”, como dizem os pais?
Meu filho se acalmou e veio falar comigo.
- Feio o que você fez – falei, séria ainda.
- Desculpa, mãe, eu tive um ataque e me descontrolei – ele disse tranqüilamente, um pouco sem graça – Já acabou o castigo? Posso jogar bola?
Epa, ele já tinha esquecido de tudo? Eu fiquei boquiaberta.
Tá. Depois dizem que brigar não é absolutamente natural.

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