domingo, 8 de maio de 2005

para a minha mãe



Não sei como agir. Há horas que meu cérebro precisa sonhar a todo custo e eu não quero que ele pare. Tudo manda que não. Consegui passar minha infância dizendo não. A adolescência dizendo não. Mas é a pura poesia, é doença, é vício.
Hoje, adulta, sucumbo. Sou fraca. Dane-se.
Tem dias que tenho ânsia de poesia. Ânsia de poesia é uma droga de coisa, é vício, igual à bebida e cigarro. É preciso parar tudo que você está fazendo para se entregar a ela, às letras, ao amarrado das palavras. No começo dói, é como entrar nua num enorme vazio, é frio, é assustador. É angustiante olhar ao redor e se ver tão só. Mas não há remédio, quem precisa se alimentar disso sabe que é esse o destino, que é essa a natureza.
Sei como acontece. A poesia age como heroína no corpo. O vazio branco da escrita vai sendo preenchido devagar e amortece os músculos, como uma droga no sangue, como o entorpecimento do álcool. Logo após, voamos. Podem gritar conosco, podem nos sacudir. Vôo é vôo, é transpor a mediocridade dos probleminhas da vida cotidiana, é sorrir sem abrir a boca e nem os olhos e nem os braços. É o gozo, não há como evitar, não há como desistir e não há como ter fim. Não sei se é bom. Não sei se é doença ou se é preciso cura. Toda obsessão é contrária a paz e a serenidade.
E é absolutamente inevitável.
Ter ânsia de poesia é como gostar de tricotar. Minha mãe, antes de ter um problema nos braços, tricotava sem parar. Ela tinha ânsia de qualquer coisa que pudesse fazer com as mãos, exatamente como eu, e fazia tricô sem parar. Cada um se vira como pode com suas ânsias de criação ou descriação, eu acho. E será que existe alguma diferença no tricô compulsivo dela e nas minhas letras agrupadas num jorro violento, muitas vezes podre, quase sempre tão inútil?
Sempre, numa certa altura do tricô ela parava, levantava os óculos e olhava para aquilo, deslumbrada com a perfeição das tranças e dos listados, como se lesse um belo texto, como se visse uma cena emocionante. Não falava nenhuma palavra, apenas suspirava e sorria para a sua alma. Orgulhosa.
Acho apenas que fazer as coisas com as próprias mãos é muito bom. Talvez seja só isso, e a alucinação da ânsia de poesia esteja embaçando meus miolos. É apenas bom produzir, assim como é bom plantar, cozinhar, tecer, tricotar. Escrever um texto não é mais poético que fazer um bolo. É apenas tão bom quanto. Não posso dizer que é tão bom como fazer um filho, mas é bom. Aliás, é bem diferente de fazer um filho: filhos crescem dentro da gente alheios á nossa vontade, são muito mais fortes que nós, as mães. Já a poesia e o tricô precisam de esforço, precisam de suspiros fortes, precisam de dores nas costas de cansaço, precisam derrotar a ânsia. Agonizam na sua criação.
Acho apenas que a poesia e tricô fazem parte da vida. É como respirar, gozar, comer. Eu preciso trançar as palavras dentro da lógica dos meus fios, com minhas agulhas e com as minhas mãos. Preciso me tricotar, antes que as linhas e palavras sejam esquecidas e adormecidas no cesto de palha.
Junto comigo.

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