sexta-feira, 6 de maio de 2005

A engenharia das frases




Eu e o engenheiro da obra, ontem, na estrada que liga Ilhéus a Itacaré.
- Sabe, Lúcia, eu descobri uma coisa muito importante outro dia – me disse o engenheiro, com um ar pensador.
- Que foi?
- As coisas que a gente fala são mais importantes do que a gente imagina. As frases, eu digo. Eu nunca liguei para as frases, olha que absurdo. Como pude viver quarenta anos sem pensar nas frases que eu falo?
- Como assim? – eu perguntei.
Achei estranho o assunto. Esse engenheiro só fala de obras e construções.
- Veja bem. Se você, diante de um problema da obra, faz uma cara feia e diz uma frase como “puxa, mas isso é muito complicado de resolver”, todo mundo na obra passa a achar a coisa complicada, demora-se muito mais tempo para fazer e todos ficam de cara feia.
- Correto. Concordo.
- Mas se você olha a coisa, sorri e fala uma frase como: “iii, mas isso é bico gente, vamos resolver em dois tempos”, em dois tempos a coisa está resolvida. E quando você olha em volta, todas as pessoas estão até... felizes, digamos.
- É. Concordo.
- Eu nunca tinha pensado que uma frase pudesse mudar um trabalho. Nunca. É incrível – ele balançava a cabeça, empolgado - Uma única frase!
- Puxa, muda mesmo – respondi, dando mais trela.
Aquela conversa estava ficando engraçada.
- As frases que a gente pronuncia são capazes de mudar até a nossa vida, lúcia. Tudo depende da escolha da frase. Por exemplo, eu posso falar para um servente: “Fulano, se você deixar cair essa pedra de mármore, eu te mato!” ou então posso falar “Fulano, cuidado a pedra de mármore!”.
- Sim, pode – eu concordei, para ver aonde ele ia chegar - Mas e daí?
- Pensa uma coisa comigo. Se eu falar a primeira frase e fechar meus olhos, o que eu vejo? Um putz desastre antes de qualquer coisa acontecer. Só com uma única frase, eu vejo a pedra caindo e me vejo matando o pobre do servente. Olha que coisa mais horrorosa.
- Nossa! – me assustei. Aquele moço seria incapaz de matar uma mosca.
- Mas se eu fechar os olhos na segunda frase, eu me vejo apenas falando para ele tomar cuidado. Vejo o pedreiro passando com a pedra na minha frente, feliz da vida, sem queda, sem pedra quebrada e... sem nenhuma morte... Muito melhor pra mim também, não acha? Melhor ser um engenheiro feliz do que um destruidor de materiais e, pior. Um assassino.
- Concordo - respondi rindo - Assassinato dá cadeia.
- Afinal, eu sou pago para construir e não destruir, né?
- Mas agora pára de fechar os olhos - eu pedi a ele, apontando para a frente - E... e... bem, "cuidado com a estrada", por favor!

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