terça-feira, 19 de abril de 2005

sim, peitos...




Sempre tive um pouco de aflição quando me lembro que sou mulher e que tenho peitos. Dou graças a Deus de não tê-los grandes demais. São apêndices que foram muito úteis, ainda mais quando cresceram enormemente depois do parto e deram muito leite aos meus filhos.
Nunca pensei como isso aconteceria quando eu fosse mãe. Sabia que depois que estivesse grávida e tivesse o bebê eu teria leite, mas levei o maior susto. Ainda na maternidade, de um dia para outro meus peitos aumentaram muito de tamanho. Ficaram gordos, inchados, quentes e latejantes. Eu nem me mexia, achando que ia explodir.
Que medo.
Uma enfermeira entrou no quarto e me viu naquele estado, com os braços abertos, atônita. Senti que ela me olhou com pena. Eu estava totalmente dominada pela minha incapacidade de ser bicho. Uma mãe, apenas mais uma delas, bem educada, bem nutrida, saudável mas completamente inapta.
Ela me olhou e eu aceitei aquele olhar como uma fêmea abatida. Me salva, eu disse à ela de alguma maneira, dando um sorriso besta. A mulher sorriu. Ela sabia de tudo e encarava meu desespero com uma certa malícia. Chegou até perto de mim e me pediu que mostrasse meus peitos. A minha dor era muito mais funda e árdua que a cena, como se eu nunca mais pudesse sair de dentro da minha carne.
A mulher não hesitou. Enfiou suas mãos úmidas na minha pele, e, pouco a pouco, começou a me ordenhar, como fazem com os animais, como apertam as cabras, as vacas. Eu percebi que estava esguichando desordenadamente, vertendo assustadoramente muito líquido, sem controle, sem mais por onde espalhar. Ela tirava o meu leite de dentro do meu corpo com as suas mãos, fazendo movimentos contínuos, apertando, machucando, retirando. Aquilo não era dor. Aquilo era compreensão pura em ser bicho. Nada além da pressa da natureza de esvair-se. Eu não conseguia sequer olhar, quanto mais entender.
Olha, sinceramente. Não sabemos mais ser mulheres.
Foi a primeira vez que vi claramente o outro lado, atrás da minha redoma de vidro civilizatória. O lado cruel e doloroso de ser mãe, que derrapa na própria existência, que cai no chão de terra, que chora sem sentir dor, que nutre, que cuida, que espera e suspira diante do acaso. O lado que tem a verdadeira feminilidade, alcançando o lamentável e indecoroso limite do belo. A urgência pronta de ser bicho é inevitável em alguns momentos da vida. Naquele instante, fundi-me com elas, com todas elas, as fêmeas desse universo. Poderia, naquele instante, vomitar, urrar, me debater, espumar, verter ou morrer.
Pouco importava.
Aliás, depois disso tudo, todas as coisas pouco importavam.
Morrer a gente morre a cada dia, nascer a gente nasce a cada instante que novamente respira.
O resto, são acidentes de percurso.

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