sexta-feira, 25 de março de 2005

o bacalhau e a vida



Hoje é dia de comer bacalhau, não é?
O problema foi que ontem eu me esqueci que hoje era feriado. Achei que a Maria ia estar aqui para cozinhar o nosso bacalhau, fazer o almoço, providenciar tudo, limpar a cozinha, afinal, sem ela eu não sou nada; e convidei um monte de gente, toda animada.
- Até sábado, lú - ela me disse.
Eu dei um pulo da cadeira e corri atrás dela.
- Sábado, Maria? Como assim? Não!
- Amanhã é feriado – ela declarou, impassível - e eu não posso vir, pois vou fazer uma almoção lá em casa.
- E... e... esse bacalhau? - eu disse, apavorada, apontando o pote sobre a pia.
- Já combinei tudo com o Zé. Ele sabe como fazer – ela me disse, sem se importar com mais nada, virando as costas – Tchau!
E assim ela se foi, sem dó nem pena de mim. A Maria trabalha comigo há onze anos e me conhece há quase trinta, pois trabalhava com a minha mãe. Não tenho muita "moral" com ela. Ela decide minha vida muito mais do que eu a dela. E o tal “combinar com o Zé” significava apenas que ela tinha contado para o Zé que o bacalhau estava de molho desde ontem de manhã. Mais nada.
- Zé, você já acordou?
- Acordou?- ele me disse às sete horas da manhã – mas eu nem dormi!
- Nossa, porquê? Insônia?
- Não. Passei a noite toda pensando se faremos o bacalhau à Gomes de Sá ou na panela, tipo uma bacalhoada.
- E você já decidiu?
- Não. Que você acha?
Foi a hora que eu acordei. Sete e cinco: Gomes de Sá ou na panela, como se fosse uma bacalhoada?
Mas depois da decisão de ontem, onde falei aqui do poder de quem cozinha, a coisa tinha um outro sentido. Sim, pensei, "é hora de tomar uma atitude. É hora nessa vida de começar a cozer a minha própria comida".
Cozinhar é sempre muito bom. Aquela coisa que eu disse no post de ontem, sobre o poder de quem cozinha, estava na minha cabeça até hoje. Quem faz, produz, cria, gera e ainda por cima pode presentear. Isso, queria ou não, é como reinar. E hoje eu e o Zé (bem, mais ele que eu...) reinamos. Estávamos sem a Maria, era feriado e tudo o mais, a cozinha ficou a maior zona, mas conseguimos: fizemos um ótimo bacalhau para dez pessoas e organizamos um grande e divertido banquete.
Fico pensando se esses almoços e jantares não são os melhores que existem. A improvisação, assim como o acaso, sem premeditação, nos faz relaxar. É como se a gente pudesse viver um pouco sem protocolo nessa vida tão besta que a gente leva. É como se não precisássemos ser politicamente corretos, não precisássemos ser formais, chatos, educadinhos. Foi um delicioso almoço, esse de hoje, onde o Zé se esqueceu (embora ele, teimoso, afirme que não) de colocar sal no arroz; onde sem querer eu comprei um vinho ótimo e dei um fora contando que estava em promoção por dezenove e noventa no Pão de Açúcar; onde brindamos depois da sobremesa rindo com um licor de Assissi que minha mãe trouxe do navio: onde meu cunhado me disse que tem raiva de homem que fala que tem "enxaqueca" ("não acha que enxaqueca é coisa de mulher, lúcia?"). onde todos bebemos e comemos muito. E onde uma hora eu e o Zé percebemos que os quase dois quilos de bacalhau se foram.
Agora que todos foram está a maior bagunça aqui, mas eu estou mais animada do que nunca. E poderosa.
Ah, e para quem quiser saber: fizemos uma bacalhoada.
E claro, na panela. Em homenagem ao post anterior. Uma bacalhoada de mulher casada. Nas panelas!

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