domingo, 3 de janeiro de 2010

a véia cacareco



Alugamos um apartamento para ficar uns dias por aqui em NY, pois é mais barato que hotel. Mas chegamos um dia antes, e a corretora nos sugeriu que, nesse um-dia, ao invés de ficarmos num hotel, ficássemos na casa de uma senhora que morava no Upper East Side sozinha e que alugava dois quartos para turistas. Bem mais barato. Olha. É péssimo ficar na casa dos outros, mas como seria um dia só, aliás, uma noitinha só, topamos. E lá fomos nós de mala, filhos e cuia para a casa da mulher.
Gente, se arrependimento matasse. Percebemos a roubada na hora que tocamos a campainha e a porta se abriu. A mulher parecia uma bruxa, andava de camisola e era mega super hiper muito demais supremamente mal humorada. Não é que ela parecia uma bruxa. Ela era uma bruxa. Óbvio.
O apartamento era moderno, mas a decoração, entulhada, fazia o ambiente parecer um... castelo mal assombrado. Nenhum parede era branca, todas eram de cores de bruxarias, como roxo, lilás, verde musgo, cinza. Brrr. A quantidade de móveis e estantes com coisas estranhas em cima era inacreditável. Nos sofás, milhares de paninhos, toalhinhas, almofadas e porta almofadas, todas de veludo de roupa de feiticeira. Um tapete não bastava, ela colocava diversos, um sobre o outro, todos muito velhos e escuros. Nas janelas, quatro cortinas pesadonas, no mínino. Isso fora os armários com vidro com coisas assustadoras dentro. Bonequinhas, bichinhos, fotos estranhas. Olhem essa boneca de terror que ficava no meu quarto, e que passou a noite toda olhando pra mim. Meu Deus. Na sala, caixas e caixas de contas e missangas, além de um estranho carrossel de bichos e doze abajures de vitral, que não iluminavam nada. E os livros de magia negra e assassinatos? Um monte. Tv? Nem pensar. Silêncio e o barulho do vento do trigésimo andar, uuúuuuú. Além disso, a mulher não falava, não fazia barulho ao andar (acho que ela voava feito fantasma), não fazia questão nenhuma de ser simpática conosco e só dava ordens: trancar a porta assim-assado, tirar os sapatos na porta e passar álcool gel nas mãos. Ela passava o dia trancada num misterioso quarto no fundo do corredor. Os meninos, claro, passaram a tirar sarro da situação esdrúxula para um dia de... férias. E daquela casa cheia de tralhas e cacarecos. E inventaram na hora um apelido para a mulher de penhoar, cabelo desgrenhado e pele ruim: "a véia cacareco". Era véia cacareco pra cá, véia cacareco pra lá. Um tipo de vingança, claro. E olha, eles repetem tanto uma piada, mas tanto, que eu e o Zé óbviamente esquecemos o nome da mulher e passamos a chamá-la de... véia cacareco também. Putis. Meio na frente dela, afinal, julgamos que ela não falava português. Rindo, resolvemos que íamos deixar um cacareco para ela. Achei um chaveiro cafoninha na minha bolsa e pendurei num canto do quarto. Hehehe, vai ficar aqui um cacareco, falei, brincando. Mas no dia seguinte os meninos vieram contar que acharam uns produtos no banheiro com rótulos em português.
- E dai, gente? - perguntei.
- Mãe! Olha! Tá escrito aqui "amtisséptico bucal"! Uma pessoa que sabe o que é um antisséptico bucal óbvio que sabe falar português. E nós falamos mal dela e rimos dela super alto aqui no antro dos cacarecos! Ela vai fazer magia negra com a gente!
Olha, pelo sim pelo não, na hora de ir embora o Zé me fez voltar e verificar mil vezes em todos os cantinhos pra ver se não tínhamos esquecido nada. Concordei com ele. Imagina se ela usa uma roupa nossa pra fazer magia negra? Céus. Melhor não facilitar com bruxas.

Nenhum comentário: