terça-feira, 14 de outubro de 2008

"memória da barata"



Foi assim: eu tava no micro, os meninos na TV e o Zé jantando. De repente alguém grita "ai, uma barata na sala". "Mata!", eu grito. "Mataí", o Zé fala. Ninguém consegue, o Zé pára de jantar e vai fazer o trabalho sujo. A barata é morta e exterminada, mas, quando eu olho em seguida, não tem ninguém mais na sala. Ora. Ninguém quis ficar numa sala onde esteve uma barata, muito menos deitado no chão vendo TV. Eu sei que não vai ser assim, aqui já apareceu um monte de barata na sala (a gente mora em casa, tem um terreno baldio do lado), e eu sei que amanhã todo mundo já esqueceu a barata e vai deitar no chão de novo. Mas porque é que no dia da barata, e depois que ela desapareceu, ninguém deita no chão? Eu penso nessa coisa, no tempo da nossa "memória da barata". Acho que na hora que uma barata chega perto da gente, a gente fica com ela viva na memória, mesmo ela estando morta esborrachada. Para a nossa cabeça, é como se ela não tivesse morrido, porque o nosso medo não morre junto com a barata. O medo morre sempre bem depois da barata. É um medo estranho, uma coisa de bicho, meio ancestral, que não deixa a gente ficar ali. E se aparecer outra barata e subir na minha barriga? E se aparecerem um monte de baratas, aquela barataiada por todos os lados? A sensação de "memória de barata" fica mais tempo na gente que todas as visões da barata (ela viva, ela estrebuchando e ela morta). O nosso cérebro vai, claro, aos poucos apagando o pânico, e no dia seguinte você deita no chão de novo, todo corajoso, como se as baratas nunca tivessem existido no mundo, ou achando que, se elas existirem, são seres deprezíveis. Eu não entendo como isso acontece, sinceramente, e acho curioso a minha sala estar vazia às nove da noite por causa de uma barata (que já morreu). Só espero que essa teoria da "memória da barata" sirva pra aliviar essa sensação de fim de mundo que assola a gente nesses tempos de queda.

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