quarta-feira, 9 de abril de 2008

o vestido de chita da cinderela


- Lúcia, você soube do vestido?
- Sei, Ângela. A mamãe me contou que você foi na casa dela e pegou um vestido meu que estava lá. Um vestido de festa. Eu deixo os vestidos de festa lá na casa dela, o armário dela é mais alto que o meu e eles não amassam. Legal que você usou. Tava tudo embolorando de tanto ficar guardado.
- Não é só isso. O vestido, Lúcia, o vestido mudou minha vida no sábado.
- Ficou legal em você?
A Ângela é minha irmã.
Menor.
- Lúcia, você não está entendendo a importância do vestido - e ela me olhou seríssima - Olha. Sábado eu voltei do sítio. Sabe como é sítio, aquela coisa rural. Eu tava a maior caipira. Tinha uma festa, e sei que me vesti de um jeito esquisito. Olha, não vou entrar em detalhes, mas eu parecia a macaca chita. Algo próximo de um koala, entende? Uma coisa vergonhosa, sabe aqueles dias que você não tem certeza de nada e erra a roupa? Saia branca com bota preta? Cheguei na casa da mamãe pra deixar o Luizinho com ela e ela quase desmaiou. "Ângela, minha filha, onde você vai assim, peloamordeDeus?". Nossa, Lúcia, quando a mãe da gente percebe que a gente está fantasiada é fogo. Quase chorei.
- Eu entendo tanto esses dias, Ângela... - eu disse, balançando a cabeça - toda mulher entende, é uma sensação universal.
- Bom, dai ela, no desespero de me livrar do vexame, me sugeriu colocar uma saia dela. Eu coloquei, mas me olhei no espelho e achei que fiquei parecendo uma das mulheres da van. Senhorooona... A saia ia até o pé, tipo teatro kabuki. Óbvio que era melhor que ir com a minha roupa preto-branca, tipo boneca de Olinda ou macaca chita. Mas era estranho, parecia que eu tinha uns sessenta, setenta anos.
- Foi quando você viu meu vestido.
- É. No cantinho do armário. Vi, adorei. Vesti. Entrou feito uma luva. Sabe quando o zíper... fecha rapidinho?
- Óbvio que sei. Hahaha.
- Ai, demais. E lembra da história da Cinderela?
Hahaha de novo. Cinderela?
- Ângela, você é muito engraçada. Vou fazer um post.
- Pode fazer o post da Cinderela, Lúcia. Vesti e fiquei daquele jeito dela, da Cinderela, cheia de passarinhos e ratinhos em volta, dançando. Sabe assim, linda? Nossa. Fui parar no espaço. Minha vida mudou. De macaca chita para Cinderela? Uau. Sai dali me achando o máximo. Cheguei-chegando. Na festa todo mundo me olhava. Ou sei lá, podia ser que eu tava me achando e achando que todo mundo me olhava mas ninguém dava a mínima, num importa.
- Eu às vezes tenho essa mesma dúvida, Ângela. Normal.
- Sei lá. Mas uma mulher, quando eu fui no banheiro, me perguntou até onde eu comprei o vestido. Queria ver a etiqueta. Ora, eu devia estar muito bem, fala a verdade.
- Ângela, você não mostrou, né? O vestido deve ter uns 15 anos e a etiqueta deve estar embolorada, cheia de mancha de armário. Você não foi louca de.
- Não, eu não ia abrir o zíper nem a pau. E se não fecha depois? Lúcia. Aquele vestido é tudo. Lúcia, a quantidade de gente famosa que eu conheci por causa do vestido. Uma loucura.
- Pode ficar pra você. Nunca usei.
- Que?
- Verdade. Sempre achei exagerado pra mim. Comprei, nunca usei. É teu, quem sou eu para acabar com uma Cinderela? Você só não devia ter ido de bota, Ângela. Impossível perder o sapato de bota.
- Nossa, e a minha bota, se eu calço sem meia, entala mesmo.
- Ângela, como é?
Olha. Não duvido nada que ela tenha ido de bota sem meia. Coisa de mulher-koala.

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