Foi há duas semanas que decidimos, eu e a Bê. Ela mora pertinho aqui de casa, um dos motivos de nos vermos tanto. Em qualquer grande centro urbano como São Paulo, qualquer amigo sem trânsito entre você e ele é muuuito mais amigo. Não tenho a menor dúvida disso.
Pois eu e ela, como estamos perto e trabalhamos sozinhas, volta e meia nos encontramos no final da tarde. Nos dias frios, vamos tomar café na doceira, e nos dias quentes vamos dar umas voltas andando na pistinha de cascalho da pracinha. Foi num desses passeios que percebemos que, sem ninguém combinar nada, sempre rodávamos a pracinha no sentido anti-horário.
- Bê, porque a gente anda nesse sentido?
- Não sei. Mas faz diferença?
- Sei lá - respondi - Tudo que você faz sem pensar merece um questionamento, não acha? No inconsciente pode estar a chave de muitos problemas.
- Acha que o fato de andarmos no sentido anti-horário pode estar nos causando problemas, Franka?
- Sei lá, Bê. E se estiver?
Ela olhou ao redor.
- Mas todo mundo anda nesse sentido. Deve ser por causa das regras de esporte. Lembra as pistas de atletismo.
- A gente não é nem um pouco atleta, Bê. Olha, você está de sapato e eu de havaiana. Não tem porque a gente seguir regra de atleta. Isso é um passeio. A gente devia andar ao contrário. Como o relógio, no horário.
A Bê e eu adoramos esses desafios metafóricos.
- Mas Franka, como podemos nos inverter? Não há "alças de retorno". A gente não pode simplesmente "parar" e "girar". Seria algo muito violento nas nossas vidas, podemos traumatizar - ela disse, rindo.
- "Alça de retorno"?
- Óbvio. Para o caso de alguém querer se inverter de sentido na vida, como nós.
Eu tomei coragem e perguntei.
- Você quer, Bê?
- Claro. Chegou nossa hora.
Isso que é amiga de verdade. Hahaha.
- Mas como fazer, sem a alça de retorno, Bê?
- Criaremos uma. Venha.
A Bê é demais. Depois de uma curva ela me levou para dentro da praça, onde demos uma volta ao redor de uma árvore e voltamos à pistinha, retomando o passeio andando ao contrário, sem estacar e girar.
-Perfeita essa alça de retorno, Bê. Deveria ser oficial. Lembre-se de onde era para podermos mostrar para outras pessoas que precisem dela.
Foi quando tudo, gente, tudo absolutamente tudo mudou. Olha, ando nessa praça há anos. E nunca reparei em tudo que passei a reparar quando passei a andar feito um ponteiro, no sentido horário. As árvores todas se jogam para a gente, o sol é mais bonito, a paisagem mais agradável. Isso fora o fato - engraçado - de você olhar todo mundo que anda e corre de... frente. Face a face. E, claro, encontrar muito mais gente. Oi, oiê, tudo bom?, opa, alô!
- Bê, minha vida mudou. Agora só ando assim.
- Eu também - ela resolveu.
Sábado passado fui no clube com o Zé. Conversando e andando, entramos na pista e passei a andar do modo novo.
- Estamos ao contrário, páre - ele me disse.
- Não, Zé. Estamos certinhos - eu respondi, explicando a teoria, que ele, obviamente, não entendeu mas como me conhece, resolveu deixar pra lá.
- Tá, tá - ele suspirou - mas olha a quantidade de gente olhando pra gente... que vergonha...
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