terça-feira, 2 de maio de 2006

o tarado do cinema



Fomos sábado ao cinema, eu e a minha mãe. Um filme maravilhoso e impressionante: “Três enterros”, que, depois de digerido, até merece um post próprio.
Mas falarei do filme depois. Agora vou contar sobre o cinema.
Bom, chegamos antes para garantir um lugar decente, compramos o ingresso e subimos no andar superior, onde ficava o cinema. Era daqueles cinemas que tem um monte de salas misturadas com uma praça de alimentação, e que são aquela zona para você achar onde deve ir.
- É ali, mãe. Vem.
Entramos. A sala era daquelas pequeninas, com uns cinqüenta lugares. Para não ficarmos com torcicolo, escolhemos um bom lugar lá em cima, numa fileira vazia. A minha mãe entrou antes de mim, sentou na terceira cadeira da fileira e eu me sentei na segunda. Ao meu lado, no corredor, ficou uma cadeira vazia.
Começamos a conversar enquanto o cinema ia enchendo. Foi quando surgiu um sujeito magro, de óculos, roupa clara. Ele veio, hesitou, decidiu e... pimba.
Sentou-se ao meu lado.
Minha mãe olhou para ele, olhou para mim e me cutucou.
- Hummm. Que estranho... – ela cochichou.
- Estranho o quê, mãe? – cochichei para ela.
- Esse homem – ela falou bem baixinho - Esse homem tinha que sentar bem ai?
- A cadeira estava vazia, mãe.
- Humpf. Olha a quantidade de cadeiras vazias que tem nesse cinema... – ela falou, implicando - ... mas não, ele teve que sentar bem ai. Bem do nosso lado. Bem do seu lado.
- Mãe, qual o problema?
Gente, minha mãe é engraçada.
- Ora, mas você é muito boba, lúcia... –ela sussurrou – O problema é que ele pode ser um tarado.
Comecei a rir. Um tarado?
-Eu sei como é - ela explicou, definitiva - Eles vem assim, sorrateiros e se sentam ao lado de mulheres sozinhas.
Ela se empertigou toda e, disfarçando, passou a olhar o homem com o rabo do olho, analizando tudo – o rosto, os óculos, a roupa, as mãos. Como se ela entendesse tudo de tarados. Eu não sabia o que fazer. Tentei ficar na frente, mas ela me puxou para trás, me encostando na cadeira. Foi quando ela deve ter tido certeza de alguma coisa, pois mudou o tom de voz e falou bem alto.
- Você não quer trocar de lugar, filha?
Sendo que as palavras “trocar”, “lugar” e “filha” ele disse bem alto e acentuado. Para ele ouvir, óbviamente.
Céus. Que vergonha. E ela continuou. Alto. Altíssimo!
- Você pode sentar aqui do meu lado, filha – ela completou, mostrando quarta a cadeira e ainda acentuando as palavras “meu lado” e “filha”.
Gente do céu.
Eu me encolhi toda, o pobre coitado do tarado também. Óbvio que as palavras-chave que ela falou bem alto para amedrontar o tarado foram ouvidas pelo cinema todo. E aquilo era um truque da espertinha da minha mãe, que, na cabeça dela estava querendo dizer ao tarado que: 1) ela sabia muitíssimo bem quem ele era; 2) que nós, sabendo de tudo, poderíamos trocar de lugar por isso; 3) e ela era a minha mãe e que portanto, que ele tomasse cuidado.
Olhei para ela, brava. Ela me arregalou um olhão e balançou a cabeça afirmativamente. Sim, ela dizia com aquele olhar sabido. Pensei em argumentar que o pobre moço poderia não ser um tarado, pensei em explicar que aquele era um dos melhores lugares do cinema e que por isso ele sentou ali, mas conhecendo o timbre de voz da minha mãe, desisti. O cinema todo, inclusive o tarado, ouviriam as opiniões dela sobre um homem sozinho que se senta ao lado de duas mulheres.
Suspirei, virei de costas para o tarado e mudei de assunto. Quem sabe minha mãe esquecia? Assim ficamos durante um tempo, eu conversando e ela olhando o homem de dois em dois segundos, como se dissesse “que absurdo”. Olha. Acho que ele, o tarado, que deve ter achado ela era uma tarada, de tanto que ela olhava para ele.
Uma hora, enfim, as luzes se apagaram.
- Mãe, pára agora de implicar... o filme vai começar – eu disse e mudei de assunto de novo – errr... você desligou o celular?
- Desliguei sim, filha... – ela disse, olhando para frente e se arrumando para ver o filme, não sem antes dar uma ultima olhadinha final... nele.
Ela não ia deixar por menos. Céus, o que eu faço com a minha mãe? Pois naquele minuto, antes de começar a projeção, ela me cutucou uma última vez com o cotovelo e falou bem, mas bem alto:
- Humpf. Bom, e qualquer coisa grita, hein, filha? Grita mesmo! – com ênfase total no “grita” e no “filha”.
Eu me encolhi de vergonha, o tarado também.
Bom, ele também deve ter mãe.

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