terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

a vendedora

foto: alberto henschel


Ela trabalha num quiosque de bijuterias no meio do corredor do shopping aqui perto de casa. É uma moça loira, sorridente. Enquanto eu olho, ela beberica água de uma garrafinha.
- Quanto é esse aqui? – pergunto, apontando para um anel.
- Pode abrir e pegar na mão – ela avisa – Isso é uma gaveta. O preço está na etiquetinha.
Nós, mulheres, não resistimos a olhar uma bijuteria. Comprar uma bijuteria sem mais nem menos é como comer doce fora de hora, é como escapar do trabalho e ir ao cinema. É uma delícia olhar vitrines cheias de pequenas bijuterias. Ah, sei lá. Às vezes comprar um brinco é deleite puro, sem muita justificativa.
- Esse anel é lindo – ela apontou - é prata. É pra você?
- É.
Depois de um certo tempo, decidi. Não era um anel lindão como o do Fagundes, mas era bacana. A moça, toda satisfeita, se pôs a fazer o pacote, usando um monte de caixinhas, saquinhos e papéis de seda de cores variadas.
- Vai pagar com cartão?
- Dinheiro. Tem troco?
- Ichi – ela me olhou e olhos arregalados – Não.
- Posso dar cheque?
- Pode – ela respondeu, sem graça – Olha, não é má vontade, é que eu não tenho como sair daqui para trocar o dinheiro.
Ela mostrou o espaço da loja. Loja? Bom, aquilo não era “loja”. Era apenas um móvel perdido num corredor. Digamos que aquela “loja” se resumia a três cômodas grandes, cheias de vidros e gavetas, dispostas em “u”. E a mocinha tinha razão: ela não tinha como sair e deixar aquele móvel cheio de gavetas sozinho. Além de vendedora, era guardiã do móvel.
- Você não tem uma ajudante?
- Não. No começo a dona falou que eu teria, mas nunca apareceu ninguém.
- E você fica o dia todo aqui?
- Fico das duas às dez. Começei em novembro.
Olhei ao redor.
- Em pé?
- É.
Ela sorriu. Estava realmente muito feliz.
- Mas isso não é problema – ela retrucou - vem tanta gente, eu gosto... e aqui é tão lindo, esse shopping, essas lojas todas tão chiques... – ela mudou de tom – E eu precisava muito de um emprego, sabe?
Vejam que coisa. O que para qualquer um de nós seria um estorvo, ou seja, ficar em pé no meio de um shopping por oito horas seguidas, para a mocinha loira era o máximo. Vez ou outra essas discrepâncias me pegam de surpresa na vida. Eu levo sustos e sou obrigada a rever a real dimensão dos meus problemas e minhas reclamações. Imagina reclamar de trânsito. A gente fica sentada no trânsito. Imagina reclamar de fila. Nunca fiquei mais de uma hora numa fila de banco. Imagina reclamar de calor, de cansaço, de demora. O que poderia ser pior que ficar oito horas em pé num shopping?
- O único problema é que é quente demais aqui – e ela me mostrou o teto e vidro, pois estávamos no último andar – e eu bebo água o dia todo. Daí, a noitinha, eu fico morrendo de vontade de fazer xixi. Tem dias que eu fico pulando até as dez. Apertaaaaada!
- Como é? Você não pode ir ao banheiro?
- E como, se não posso deixar a loja?
- Nem rapidinho?
Ela deu uma gargalhada.
- Só se eu levar tudo, todos os brincos e colares e anéis. Só se eu levar a "loja" – ela falou, se divertindo a beça.
- Mas isso é desumano. Não tem ninguém para você pedir ajuda?
Ela segredou.
- Shiu. É que eu não conheço as pessoas daqui. Às vezes vem alguma amiga visitar e eu vou. Mas se não vem, não vou.
Olhei no relógio. Oito horas.
- Ei. Você quer ir ao banheiro?
- Querer eu quero, claro.
- Então vá que eu fico aqui.
- Não, não posso. Eu não te conheço – ela disse, sorrindo – e não posso deixar a loja com uma pessoa que eu não conheço.
- Ah.
- Você pode ser uma ladra, pode ser uma pessoa perigosa – e ela olhou a minha cara de susto e disse, na maior simplicidade do mundo – Não que eu esteja falando que você vai roubar, mas eu realmente não sei quem você é.
- Ah.
- Mas agradeço mesmo – me disse, entregando os pacotes – São só mais duas horas, eu espero.
Pois é.
E depois a gente reclama da nossa vida.

Nenhum comentário: