domingo, 26 de fevereiro de 2006

uma casa em pleno vôo


Eu vejo essas casas de revista, de filme e de novela e juro, não sei onde errei.
Hoje, por exemplo. Um domingo. Todo mundo em casa, óbviamente sem a empregada, que está de folga. São oito e meia da noite, e parece que passou um furacão aqui. New Orleans total. A bagunça é imensa, fenomenal. Os jornais se multiplicam feito vômito pela sala e cozinha, existe uma multidão de sapatos e sandálias havainanas exatamente na porta da entrada, percebo uma montanha de pacotes e embalagens pela sala e uma quantidade de bolsas e sacolas jogadas por todos os lugares. Roupas no sofá, meias desparelhadas pelo chão. Já a quantidade de pratos e copos espalhados nem se fala. O pior é que já dei uma "limpa" depois do almoço, mas algumas horas bastam para tudo se desbagunçar de novo.
Impressionante. Somos apenas cinco humanos sem trabalhar e sem estudar.
Já fui maníaca de arrumação quando tinha os filhos pequenos e algum controle sobre suas ações. Nos finais de semana, vivia para colocar as coisas em ordem. As crianças tinham que estar limpas, vestidas e alimentadas, a casa tinha que estar um brinco, e os brinquedos (gente, que pesadelo que eram os brinquedos...) tinham que estar nos potes, nas caixas, nas estantes. Eu só ia dormir com tudo no lugar. Afe, como eu era chata. Chatérrima! Um dia me toquei e desisti. A vida se encarrega de nos ensinar a dar de ombros para algumas coisas - acho que para conseguir sobreviver. É mais ou menos o seguinte: ou você desencana ou vai ser infeliz eternamente. Um dia olhei para minha casa, que estava numa zona total, suspirei e saí da guerra: peguei os filhos, o Zé, e tranquei a porta.
- Vamos deixar tudo assim, lu? – ele me perguntou.
- Sim. Voltaremos na hora de dormir. Entraremos direto, deitaremos e nem acenderemos a luz. Amanhã a Maria vem e arruma.
Desde então sou uma mulher bem mais feliz nos finais de semana. Fico a tôa, leio muito, tomo sol no quintal, ouço música. Piso nos sapatos, nem olho a tralha que se acumula. A casa que se dane. Já fui muito escrava dela.
O meu problema não é bagunça em si, mas queria saber como as outras pessoas do mundo resolvem essa questão. São poucas as casas que eu entro nos domingos que são verdadeiramente bagunçadas como a minha. Gente, vocês não sabem do que eu falo. Aqui é beeeeeem zoneado. Gente, a cozinha, a pia... olha, são poucas as cozinhas que eu vejo que são tão caóticas como a minha num domingo a noite. E é pouca gente que eu ouço que reclama de arrumar. É como se as casas alheias se auto-arrumassem. É como se as outras donas de casa fizessem isso com prazer. Eu acho que eu e a minha casa temos algum problema.
Uma vez um arquiteto muito importante, professor meu da FAU, falou sobre isso: a bagunça. Segundo ele, bagunça é criação em estado puro. Um verdadeiro processo criativo precisa ser caótico. Era uma teoria onde, metaforicamente falando, para inventar alguma coisa nova você deve jogar no chão tudo que dispõe e reorganizar. Essa reorganização resultará numa coisa nova, inédita, genial. Segundo ele, o excesso de arrumação significa estagnação. Lugares bagunçados é que são máximo, pois geram arte, poesia, arquitetura, literatura. E, pelo que eu me lembro dessa aula, ele arrematou com uma imagem:
- Uma criação é uma águia em pleno vôo: alcançando altura, gerando ventania, bagunçada, revoando as penas para todos os lados.
Hã?
Bom, sempre que eu olho minha casa como ela está hoje eu penso nessa aula. Sinceramente acho que não tem nada a ver. Por mais que eu tente colocar um sentido qualquer na zona dominical, uma casa com sapatos, embalagens de jornal, bolsas e casacos no hall não me parece muito criativa, nem muito artística, nem muito... nada. Parece apenas bagunçada.
Aliás, parece mesmo que entrou um águia voando aqui dentro.
Mas pra que criatividade no domingo? Prefiro nem olhar. Afinal, a Maria vem amanhã mesmo.

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