sábado, 4 de fevereiro de 2006

o bazar



Olha. Não era natal, nem aniversário, nem nada, quando ela me ligou.
- Filha, comprei uma coisa para você.
- O que é?
- Uma blusinha de tricô. Decotada, sem manga, pretinha. Chique, tem até uns fios prateados. Quando você tiver um casamento, uma festa, você usa...
- Eu te pedi uma dessas, mãe? Não me lembro.
- Não, não pediu. Mas eu comprei. Comprei uma preta para você e uma beje para a sua irmã; uma mais “senhora” para mim e uma de criança para a Nana, muito bonitinha, com uns bordadinhos na frente. Depois comprei uma meio vermelha, para a Maria, a tua empregada.
- Mãe, você tá maluca? Para que comprou tanta blusa, é o festival do tricô?
- Eu tive que comprar, filha... Entende?
- Claro que não.
- Um bazar... Sabe a Rosinha, aquela que era minha vizinha? Ela fez um bazar na casa dela, eu não podia deixar de ir. A filha dela mora no sul e tem uma confecção e a Rosinha resolveu fazer um chá para vender as blusinhas da filha.
Não é exatamente assim?
A filha da amiga da mãe resolve fazer umas blusas. Tua amiga da época do primário liga e diz que está fazendo colares bárbaros. A vizinha, que tem filhos na mesma escola que os teus, pinta lenços de seda. Aquela prima resolve vender potes de cerâmica, e lá vem o bazar.
Quando você vê, já está no meio da enrascada.
Se a gente pensar bem, é mais que uma enrascada. Ir num bazar é como entrar numa prisão: você não pode sair dali assim, sem mais nem menos. Ser convidada para um bazar é o mesmo que ser seqüestrada. A gente tem que pagar para sair. Pensa só. Bazares são um tipo de cativeiro: um lugar onde você só sai dali mediante o pagamento de um resgate.
Mesmo assim, até hoje os bazares são um sucesso entre as mulheres. Isso me intriga, ainda mais hoje em dia, com tanto shopping, loja e compra virtual. Geralmente quando vamos comprar alguma coisa ficamos nos regulando, pensando em não comprar. No bazar é o oposto. Você vai, e, mesmo quando não precisa de nada, fica horas quebrando a cabeça pensando o que você pode querer precisar.
Sim, porque é exatamente isso. O lugar é feito com um único intuito. Vender. Se você vai, tem que comprar, nem que seja uma porcaria de nada. Aquelas coisas que todo mundo chama de “lembrancinha”.
Não entendo esse nome. Lembrancinha é tudo, menos uma lembrança de alguma coisa. Porque “lembrancinha” é um presente tão inútil, mas tão inútil que você não lembra o que comprou, nem para quem deu, nem de quem ganhou. Acho que seria mais adequado a gente chamar esses tais presentes de “esquecidinhas”.
Além disso, bazares vendem coisas completamente desnecessárias. No natal passado fui em um, organizado por uma tia. Fui zanzando pela casa, nada que eu precisasse. Isso fora as coisas esquisitas: achei uns panos moles, cheios de pontas, com pequenas miçanguinhas costuradas. Sei lá para que servia.
- É um... chale?
- Não.. É um pano para cobrir a jarra nos dias de festa.
Um véu para jarra? Qual a necessidade de uma jarra de suco esconder o rosto, feito uma muçulmana?
Continuei a busca. Velas decoradas; bolsinhas bordadas de tricô; roupas de nenê; brincos de pedra; toalhas com motivos natalinos; potes de biscoito com enfeites de macarrão; micro toalhas de lavabo fazendo conjunto com micro sabonetes em formato de micro conchas.
Que desespero.
Resolvi, então, achar a coisa mais inútil e inusitada do lugar. Foi quando eu vi um estranho potinho vermelho, com doze garfinhos de canapé, cada um com uma carinha de Papai Noel no cabo. Olhei para aquele enigmático objeto. Os doze garfinhos com doze cabecinhas me olharam de volta, sorrindo, me desafiando.
Que maluquice que é um bazar, gente.
Mas ótimo. Comprei, paguei meu resgate e pude ir embora.

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