terça-feira, 13 de dezembro de 2005

o chicletinho




Fui convidada para ir com um amigo assistir à um espetáculo de teatro no sábado. Era uma encenação de um texto muito bonito, feita por um ator maravilhoso.
Sem querer, sentou ao meu lado o diretor geral do local onde a peça era encenada. Pelo que notei, ele era um cara importante naquele lugar e para todas aquelas pessoas. Bem que percebi que aquele lugar à minha direita estava reservado para alguém pois um rapazinho no corredor não deixava ninguém sentar ali. Bastava alguém se aproximar que ele cochichava alguma coisa e a pessoa se retirava.
Um tempo depois o diretor importante apareceu. Cumprimentou todo mundo ao redor, inclusive a mim, a vizinha de cadeira, como fazem os famosos, políticos e chefes. Todos se aprumaram, cumprimentaram o homem e as luzes se apagaram.
A peça começou. Maravilhosa. O tempo passava e eu estava a cada instante mais encantada com a interpretação e com o texto.
Mais ou menos no meio do espetáculo, senti um gosto ruim na boca. Hum. Eu tinha exagerado na cebola no almoço. Que nojo. Suspirei e olhei meu amigo ao lado. Melhor nem falar com ele, pensei, apertando os lábios.
Credo. Odeio gosto ruim na boca. "Um chicletinho ia bem", pensei com meus botões.
Lembrei do meu amigo ali ao lado. Ele sempre me convida para ver peças com ele, pois ganha muitos ingressos, mas um dia confessou que odeia pessoas que comem em espetáculos, cinemas e teatros. Ele acha que balas e chicletes fazem barulho e diz que é o fim da picada desrespeitar os atores e a produção.
Bem, eu nunca disse para ele, mas desde menina que sou ta-ra-da por uma bala frutela no cinema. Cinema sem bala frutela, para mim, é o fim da picada. E o que tem de mais? Bala frutela não é igual a tic tac que faz barulho, nem é como pipoca que emporcalha tudo. Bala frutela é uma guloseima completamente inócua.
Lembrei do chicletinho trident também inócuo que eu tinha na bolsa e olhei de soslaio para ele. Não, não ia pegar bem. Ele jamais concordaria. Se eu quisesse comer aquele chicletinho, deveria ser... escondido.
“Trident não faz barulho para abrir. Se eu conseguir pegar sem ele perceber, dou um jeito de enfiar na boca”.
Respirei fundo e comecei a operação. Primeiro arrastei minha bolsa, que estava pendurada no encosto do lado esquerdo da cadeira para o lado direito, o lado do diretor.
Avaliei a bolsa que eu usava aquele dia. Uma bolsa saco, dessas que estão na moda, sem zíper nem fecho. Ela tinha apenas um cordãozinho no meio para amarrar. Perfeita. Respirei fundo e resolvi esperar um tempinho para não chamar a atenção.
Pronto. Coloquei a mão direita ao longo do corpo, um pouco para trás. Devagar, achei o vão da bolsa e lentamente coloquei a mão lá dentro. Eu não deveria fazer movimentos bruscos e nem barulho.
Chicletinhooo, chicletinhooo, cadê você...
Achei o molho de chaves. Certo. Um papel, devia ser o do estacionamento. Outro papel, mais duro, tipo um cartão de visita, uma moeda grande e uma pequena. Nada. Resolvi procurar em outra região. Achei uma carteira de couro, que comecei a tatear lentamente.
Porém a carteira não tinha fecho e tampouco era lisa como a minha. Era uma carteira gorda, cheia de coisas e de um couro bem crespo. Caramba, que era aquilo? Tateei mais ainda. Ei, mas aquela não era a minha carteira. E, se não era a minha carteira, aquele lugar...
Acho que foi nesse momento que percebi. Senti um calafrio e eu comecei a gelar. Se aquela carteira não era minha, então aquela bolsa não era a minha e então... então... eu estava com a mão...
Afe.
Eu estava com a mão dentro do bolso do paletó do diretor, que estava pendurado no escosto da cadeira dele, gente. E pior, estava segurando a carteira do cara, como se eu fosse afaná-la. Uma ladra, uma golpista, uma trapaceira. Senti um calafrio da cabeça aos pés. O que me deixou mais assustada foi aquele instante mínimo quando, ao não reconhecer a minha carteira, eu quase tirei dali para olhar com os olhos.
Tremendo toda, com o coração pulando pela boca, larguei a carteira do diretor bem devagarzinho e retirei minha mão. Respirei fundo. Foi como viver de novo.
Eu estava salva.
E ilesa.
Esqueci da cebola, do espetáculo, do chicletinho. A peça acabou, saímos dali e eu vi o homem de longe, do outro lado do saguão.
Bem, dizem que todo bandido volta a cena do crime, não é? Pois eu, como uma verdadeira bandida, confesso que senti um certo prazer em passar beeem pertinho dele de novo, olhando furtivamente para o paletó e para o bolso com a carteira polpuda que eu quase roubei.
Aliás.
Cuidado comigo, gente.

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