sexta-feira, 11 de novembro de 2005

os capacetes e a casa dos anões



Como disse ontem, a obra da ilha está no começo, nas fundações. Foram construídos dois escritórios, um na ilha e outro no continente. Geralmente escritório de obra é a maior bagunça, com amostras de material e pilhas de plantas empoeiradas, além do velho problema de banheiro que nunca é decente, principalmente para as damas.
Mas nessa obra não. Entrei no barracão dei de cara com a maior arrumação. Nas paredes, estantes com plantas dentro de plásticos, banheiro feminino e masculino, mesa impecável, computador com mouse que funciona, copos descartáveis para café.
Olhei para os lados. Numa das paredes um monte de ganchinhos com os capacetes com o nome em cima, inclusive o meu. Na outra parede, mais ganchos com capas de chuva pra andar de barco. E no meio a minha, que eu tirei para usar.
Gente, que escritório organizado.
Não que eu ache ruim essa coisa de organização, mas aquilo me pareceu extremamente infantil. Tive vontade de rir, acho que lembrei da história da Branca de Neve. Sete camas, sete canecas, as sete cadeirinhas, sete tigelinhas de sopa e sete casaquinhos. Dunga, Zangado, Atchim, Dengoso, Mestre, Soneca, Feliz e a arquiteta Lúcia.
Engraçado.
Olhei para a cara do engenheiro. Quem seria ele?
- Esses ganchos, etiquetas, capacetes, capas. Quem fez isso? - perguntei, cautelosa.
- Eu – ele respondeu, orgulhoso – tenho mania de organização. Minha mulher implica um pouco, mas eu sou assim.
Passei a olhar o engenheiro Mestre com outros olhos. Um engenheiro digno de uma Branca de Neve. Apesar de eu estar implicando um pouco, acho que entendo o cara. No passado eu era uma excelente organizadora de gavetas, mesas, estantes. Era uma coisa disfarçada, eu ‘escondia’ essa mania com medo de me acharem obsessiva e compulsiva.
A obsessão desapareceu de um dia para outro. Não me perguntem porquê. Sem mais nem menos a coisa inverteu e eu me tornei a maior bagunceira, dez bilhões de vezes maior do que eu jamais imaginei que fosse. Hoje eu vivo soterrada num pântano de papéis que volta e meia coloco em pilhas ligeiramente lógicas.
E só.
Sinto que minha vontade de organizar é contrária ao pensamento, à criação, à paixão. Preciso do caos extremo para crescer. O meu ex-professor da FAU, o Paulo Mendes da Rocha, dizia que uma mente em criação é como uma águia em pleno vôo, se debatendo toda e soltando penas para todos os lados. Não devemos ter medo da bagunça, do caos, da confusão. São essas coisas que nos acendem. A felicidade da desordem é sempre ligeiramente maior que a da organização. Reparem. Vai entender a natureza humana.
Sei lá se fica claro o que eu quero dizer. Acho que aprendi, um dia, que ganchinhos com capacetes e nomes não significam eficiência, eficácia ou talento. Aliás, não significam nada a não ser que você vai pegar mais rápido o capacete e a capa.
Mas não tive coragem de expor essa teoria ao engenheiro Mestre. Talvez ele faça isso para contrapor a bagunça da sua vida, e, se ele não pode arrumar tudo, arruma ao menos os capacetes e as capas. Quem sou eu para julgar.
Um dia ele descobrirá, assim como eu, que os contos de fadas não são as melhores histórias.

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