terça-feira, 25 de outubro de 2005

o envelope



- Lucia?
- Sim, sou eu.
- É a Renata, do Paulo Miguel, tudo bem?
- Oi, Renata! – respondi, surpresa.
- Escuta... - ela titubeava ao falar – posso passar aí agora? Estou aqui perto.
A campainha tocou em menos de dez minutos e entrou no escritório a Renata, a mulher do Paulo Miguel, um dos meus clientes na época. Ele é um médico gatroentereologista, e estávamos fazendo uma casa para eles num condomínio bacana nos arredores de São Paulo.
A mulher estava ligeiramente sem graça. Lembrei que eu nunca havia conversado sozinha com ela, pois o nosso contato sempre fora com o marido. Entramos juntas na sala de reunião.
- Eu precisava falar sobre o projeto... – ela me diz, envergonhada.
- Vocês querem mudar alguma coisa, Renata?
- Não é isso – ela diz, sentando numa cadeira - é outra coisa.
- Então vou pegar os desenhos e já venho.
No salão encontro uma outra arquiteta que trabalha no escritório.
- O que a mulher do Paulo Miguel tá fazendo aqui a essa hora?
- Sei lá. Vou ver agora.
- Veio falar o quê? Ela nunca abre a boca.
Volto com os desenhos. Percebo que a Renata está super nervosa.
- Diga, Renata, o que você quer mudar na casa?
- Tudo.
Foi como destampar uma rolha. A mulher explodiu e desandou a falar sem parar.
- Olha, não tem cabimento construir uma casa onde meu quarto está tão longe do quarto dos meninos, pô, Lúcia. Acostumei no apartamento, é tudo pertinho. Eu... eu não estou tranquila, eu não quero assim. Eu queria que os quartos das crianças fossem alo lado do meu, é isso.
- Ora, podemos colocar, Renata. Enquanto é papel, projeto, desenho, a gente pode mexer a vontade. Qual o problema?
- O problema? O problema é o Paulo Miguel. Ele que não quer.
- Como não?
- Falei que queria mudar e ele me disse que não concorda, que eu sou muito grudada nos meninos, que não temos uma vida própria, assim, vida de casal. Ele acha que é ótimo os meninos estarem longe da gente, e fala que não é tão longe assim.
- Não é mesmo, Renata. Entre seu quarto e o deles tem apenas essa sala de tv. Uns cinco metros, se a gente contar o corredor. No mesmo andar.
- Eu acho muito. Muito!
- Tudo bem, mudaremos. Você precisa ficar feliz com a casa.
- Mas ele não quer de modo algum! Falou que se é pra eu continuar grudada nos filhos é melhor ficar no apartamento. Disse que eu preciso de terapia, que isso não é normal. Você acha que eu preciso de terapia?
- Claro que não, toda mãe...
- Mas ele acha! – ela disse, me interrompendo. Em seguida mudou o tom de voz – ... escuta, como seria se os quartos fossem todos juntinhos, porta com porta? Dá para desenhar, assim, um croquizinho?
- Dá, claro – respondi, confusa – seria alguma coisa assim... podemos colocar esse banheiro aqui e usaremos esse espaço para uma grande rouparia. Um quarto aqui e outro aqui. Olha, dar dá. Precisaremos acertar a estrutura e as circulações, Renata.
- Deixa eu ver – ela falou, apanhando o desenho – Gostei. Ficou muito, mas muito melhor. É exatamente isso que eu quero.
- Quer levar esse desenho e mostrar para o Paulo Miguel?
- Não. Queria outra coisa.
Ela tirou um envelope da bolsa e me deu.
- Que é isso?
- É dinheiro.
- Dinheiro? Não tem nada que me pagar agora, Renata, a gente tá só conversando.
- Eu sei, esse dinheiro é pra outra coisa.
- Como assim?
- Eu queria que você fosse ao consultório do Paulo Miguel mostrar esse desenho para ele.
- Eu?
- É, você. Mas você vai ter que marcar uma consulta com outro nome, para ele não saber que você é você. Você vai, entra, e quando ele fechar a porta você mostra o projeto para ele e fala que é isso que eu quero.
- Renata, eu...
- Se não for assim ele não vai te receber, entende? Ele me falou que não quer nem ver uma outra proposta de projeto. Esse dinheiro é o dinheiro da consulta, que você tem que pagar antes para a secretária.
- Pagar uma consulta com o Paulo Miguel...? – eu estava completamente pasma – você deve estar brincando, Renata.
- Não, de modo algum. Até pensei na sua doença, caso alguém pergunte. Você faria isso por mim? Pode ser?

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