quarta-feira, 19 de outubro de 2005

idade mental



Era uma viagem de família, eu, o Zé e os três filhos. Uma viagem grande, cuidadosamente planejada. Ficaríamos um mês fora do país, iríamos de avião, alugaríamos um carro e viajaríamos um mês de cidade em cidade, dormindo cada dia num lugar. Todos juntos, o tempo todo.
Tudo programado. Cada um teria sua mala e seus pertences e seria responsável por alguma parte da viagem. Estabelecemos algumas regras: não brigar, respeitar os horários e estar sempre animado. Seríamos um grupo unido e companheiro, e enfrentaríamos juntos as situações que aparecessem pela frente.
Bom, foi uma viagem deliciosa, mas passamos mais tempo arrumando e desarrumando malas, entrando e saindo de hotéis, lendo mapas e nos perdendo em estradas do que realmente conhecendo lugares novos. E o tempo que passamos dentro do tal veículo alugado, um carro enorme, que mais parecia um ônibus de retirantes muambeiros, foi muito maior do que o tempo que passamos em terra firme.
- Vai ser ótimo para eles – disse o Zé, logo nos primeiros dias da caravana – eles vão crescer, vão aprender muita coisa.
As crianças tinham, na época, de sete a doze anos. No começo parecíamos dois professores. Como éramos 'os pais', nos mantínhamos sérios e dávamos aula atrás de aula. Pobres dos meninos. Acho que éramos entediantes, eles dormiam o tempo todo. Viramos uma espécie de pais – enciclopédias, vomitando fatos, datas, explicações. Achávamos que eles tinham muito a aprender com aquele país.
Sabe como é.
Mas com o tempo esquecemos aquela postura empoada. Descobrimos que para eles a viagem era apenas uma grande aventura, feito nos filmes. Eles se divertiam com tudo, era inevitável não acompanhar as gracinhas, não rir, não emendar e falar mais bobagem. Eles eram muito mais legais e divertidos que nós, com nossas tentativas de sermos inteligentes e sérios.
Bom, o fato foi que, ao invés das crianças evoluírem, eu e o Zé regredíamos a cada dia. Agíamos como se tivéssemos uma idade mental muito menor que a nossa. Passamos a ter, no máximo, uns doze, treze anos. Foi um verdadeiro absurdo o que aconteceu ali.
Acho que o convívio exagerado, dia e noite, sem qualquer outro tipo de interlocutor e fechado dentro daquele carro imundo (quem é que manda lavar carro alugado em viagem? E já viu viagem de brasileiro com criança sem uma geladeira entupida com comida porcas com embalagens mais estranhas ainda?) gerou um processo mental onde ficamos, pouco a pouco, totalmente infantilizados.
Quando percebemos era tarde demais. Era impossível não brigar feito criança, não falar palavrão em português na frente dos desconhecidos. O Zé cantava musiquinhas escatológicas o tempo todinho, era insuportável. Um dia até coloquei uma almofada de pum embaixo da cadeira dele no restaurante. Imagine, eu, a mãe.
Vexame.
Brigávamos, mas eram brigas bobas, onde a idade mental declinava ainda mais. Se não fosse a intervenção dos filhos, falando para parar com aquilo já, nos atracaríamos de verdade.
Um dia, à noite, depois que as crianças dormiram, o Zé falou.
- Temos que tomar cuidado, lú. Estamos quase perdendo o controle. Somos adultos, temos que dar exemplo, não podemos continuar com essa idade mental infantilóide.
- Concordo, Zé – eu disse, trocando o canal da TV.
- Ah não, nem vem! – ele exclamou - Me dá já esse controle remoto senão eu te bato. Eu estava aqui antes, hoje é meu dia, pô!

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