quinta-feira, 1 de setembro de 2005

Vem comigo que depois eu conto


Eu ia contar hoje sobre a leitura da minha peça feita pela Ivana, mas dispersei e acabei falando de outra coisa. As impressões sobre a deliciosa leitura ficam para amanhã.
É que há dois anos aconteceu uma coisa engraçada. Um grupo de teatro de faculdade resolveu encenar uma montagem de cinco contos de escritores. Machado de Assis, Eça de Queiroz, Stanislaw Ponte Preta, Guido Fidélis e Mário Prata. Só que quando foram escolher um texto do Prata, escolheram uma crônica minha, que ele publicou no Estadão em 2001.
O banheiro da Arquiteta Lúcia.
Bom, no dia da apresentação o diretor resolveu convidar o Prata, óbvio. Ele respondeu dizendo que agradecia, mas que a crônica não era dele, e sim minha, da Lúcia Carvalho, uma amiga dele. Óbvio que eles não acreditaram. O Prata mente toda hora, ele deveria estar mentindo. Se a coluna era dele, a crônica também era dele, oras.
Ele me escreveu. Falou para eu ir lá ver o que se tratava e tentar explicar. Ele estava viajando, não podia. Como era no domingo, fomos todos. O Zé, eu e os meninos.
- Oba, a mamãe vai ser encenada – diziam os meninos, animados.
O Zé estava curioso e eu idem. Era um festival de teatro de diversas universidades, e aquela peça seria a peça do fechamento.
“O Núcleo escolheu esse ano cinco textos bem conhecidos”, dizia o email, “queríamos humor, mas consciência e experiência não nos permitiram abdicar da reflexão. O resultado é um espetáculo gostoso e sutil”.
Era no teatro Paulo Eiró. Tudo direitinho, com cartaz e folder. Lotado. Assistimos a uma peça do festival, mais outra e mais outra. Todas curtas, feitas pelos jovens. Daí apareceu um apresentador. Ele anunciou o fim do festival e disse que naquele momento seria apresentada a peça do Núcleo: “Vem comigo que depois eu conto
- Núcleo? – cochichei para o Zé – Que diacho será esse núcleo?
Foi um alvoroço. Todo mundo se levantou, assoviando, gritando. E foi quando as velhinhas entraram. Sim, era um grupo de terceira idade, composto só de velhinhas. Todas de uma faculdade da terceira idade! Tivemos o maior acesso de riso. Juntas, as seis “meninas” deveriam ter muitos, mas muitos anos.
Olhamos ao redor, e percebemos que o público também era só de velhinhas. Um monte. Milhares. Todas animadérrimas. Acho que também eram da tal faculdade.
- Vocês conhecem alguém que está se apresentando hoje? – perguntou uma senhora magrinha que estava numa cadeira atrás da gente, quando viu que olhávamos ao redor.
- Não – respondeu o Zé.
- E estão aqui porquê? – a mulher era daquelas curiosas.
- Por causa da minha mulher – O Zé me apontou.
Tanto a senhora magrinha como as duas mais gordinhas ao lado dela me olharam, curiosas.
- E o que a sua mulher fez nessa peça?
- Ela... bom, ela escreveu um dos textos.
- Não é possível – a senhora magrinha replicou, toda exibida – São contos de escritores homens. E quase todos estão mortos. Menos um que não conheço e o Mário Prata.
- Pois é – tentou explicar o Zé – É esse conto daí mesmo que viemos ver.
- Ah! – uma das senhoras gordinhas sorriu – Vocês vieram ver a peça do Mário Prata? São fãs dele também?
- Não é isso – tentou explicar o Zé – É que a Lúcia...
A senhora magrinha, que era uma tipo de líder, interrompeu.
- Isso mesmo, rapaz. É esse o nome do conto. “O banheiro da arquiteta Lúcia”, do Mário Prata.
- Não, a Lúcia é a minha mulher – falou o Zé, já meio desesperado - e foi ela que...
A mulher do lado interrompeu.
- Nossa, a sua mulher é Lúcia também? Coincidência! – falou uma das gordinhas, sorrindo.
Os meninos começaram a rir, eu idem. O Zé não conseguia se fazer entender. Até que uma quarta senhora, sentada ao lado dessas três, colocou os óculos e olhou bem firme para o Zé.
- Ei. Mas você não é filho dele?
- Eu? – O Zé se assustou – Filho de quem?
- Do Mário Prata – a senhorinha de óculos decidiu, apontando para o Zé – Olha, gente, olha como ele é parecido!
Em menos de um segundo, toda a fileira de velhinhas olhou para o Zé. E passamos a ouvir um murmúrio, uma cochichação. “O filho do Mário Prata está aqui, o filho do Prata, ali, olha, aquele, de óculos...”.
Nisso, a primeira senhorinha da história, a magrinha, olhou para ele e desabafou.
- Ah, bom! Agora eu estou entendendo, eu estava achando você muito esquisito. Você é o filho dele.
- Não, não sou... – ele tentava explicar - eu...
Elas todas apontavam para o Zé. O burburinho ia passando de boca em boca, o Zé queria desaparecer. Sumir.
O Zé. Filho do Prata. Essa é boa, eles têm quase a mesma idade.
Ele virou para frente, afundou e suspirou.
- Não vou explicar mais nada. Chega. Gente doida. Esclerosada.
A peça começou e as senhoras sossegaram. Depois de meia hora, chegou a vez do “O banheiro da arquiteta Lúcia”. Foi hilário. As senhorinhas atrizes falando meu texto e rodando em volta de uma privada, com umas echarpes e piteiras. Gargalhei tanto que quase perdi o fôlego.
Na saída, depois dos aplausos, o Zé me perguntou se eu queria falar com as atrizes ou com o diretor.
- Não, Zé. Elas amam o Prata, você percebeu. Acham que encenaram uma peça dele. Eu não posso estragar tudo. Além do que, elas logo vão saber que você, o “filho” dele, veio assistir. Vai ser o maior assunto.
- Ui, é mesmo! Vamos sair correndo antes que eu tenha que me explicar de novo.
Assim fugimos todos, às gargalhadas.
Foi meu primeiro e único texto encenado. E o famoso foi o Zé.

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