terça-feira, 12 de julho de 2005

tlim, tlim, tlim



Uma das coisas que a gente mais faz hoje em dia é ir ao shopping. Os shoppings roubaram tudo que a gente precisa e colocaram lá dentro. Falaverdade.
Nada contra, mas o problema do shopping é o estacionamento. Nunca tem vaga suficiente para todo mundo, a gente precisa ficar rodando, e claro, brigando com os outros motoristas. A coisa é feita para você ter raiva de todos os outros motoristas: o cara que entrou na sua frente, o que fica paradinho de bituca no meio do corredor, o espertinho atrás de você que diz que não vê o teu pisca alerta ligado pra entrar na vaga.
Eu tenho horror de estacionamento de shopping.
Não acho vaga nunca, e assim, desisto logo de cara. Todo dia eu vou lá pro último subsolo, e estaciono na última vaga de uma vez , mesmo com o shopping vazio. Como uma derrotada.
- Você vai direto para o terceiro subsolo, mãe? – me perguntou um dos meninos – Sempre tem vaga aqui no primeiro!
- Eu sou azarada, filho. Nem adianta procurar.
Bom, outro dia tive que ir ao shopping com o Zé. Era sábado e a gente precisava comprar um presente. O Zé dirigindo o carro, eu ao lado dele e aquela fila de morrer para entrar e estacionar, e ele nem ai.
Não deu outra, pimba, ele entrou no estacionamento do térreo. O estacionamento mais difícil. Virou na primeira rua, em frente à porta principal. A rua mais difícil.
- Você tá louco, Zé? Acha que vai conseguir parar aqui?
- Que é que tem?
Uma fila de carros na nossa frente. O Zé nunca vai no shopping, não sabe do meu trauma, é um desavisado. Suspirei. Éramos os sextos, sétimos, décimos da fila, sei lá. Uma coisa impossível arrumar vaga ali.
Mas, de repente, o carro do lado do Zé... pimba, saiu.
E a gente, pimba, embicou.
E pimba, entrou.
I-na-cre-di-tá-vel.
O Zé trancou a porta do carro, inflou o peito e me olhou.
- Vamos?
Eu inflei o peito também, respirei fundo e segui caminho. Calada. Como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, apesar de nós dois nos sentimos os mais poderosos e importantes daquele estacionamento. Era como vencer uma batalha, uma competição.
E ganhar.
De lavada.
E pela primeira vez naquele estacionamento, eu me senti super feliz. Orgulhosa. Convencida. Vencedora. Sábado a tarde, na porta!
Não aguentei fingir.
- Não acredito nessa vaga, Zé! – eu disse, dando pulinhos – é a melhor de todas!
Eu estava rindo sozinha. Olhei para o Zé, e percebi que ele olhava para os outros motoristas sem vagas como se provocasse cada um deles com seu olhar de vencedor.
- Zé. A gente está se achando, não?
- Eu? Eu não – ele respondeu, fingindo tranquilidade – comigo sempre é assim – ele disse, tentando disfarçar a felicidade imensa.
Foi quando eu percebi que ele estava balançando a chave do carro, discretamente, se exibindo.
Tlim, tlim, tlim.
Ahá! Aquele barulhinho denunciou tudo!
A situação era ridícula, mas, queira ou não, eu e o Zé estávamos nos exibindo muito naquele caminho de dez passos do carro até a porta do shopping.
E eu fiquei pensando numa coisa. Repara como as pessoas que arrumam vagas na porta dos shoppings tem auto estima lá no alto. Se existe uma coisa que melhora a auto estima dum humano civilizado é isso: arrumar a vaga na porta e no térreo. Conquistar essas pequenas vitórias no burocrático e emperrado mundo cotidiano é como vencer na vida. Brigar por causa de uma vaga, gastar mais de meia hora para estacionar, ser ludibriado por outros motoristas, tudo isso é muito deprimente e gera uma angústia danada. É impressionante como uma coisa pequena dessas pode mudar todo o rumo do teu dia.
Uma vaga.
Compramos o presente. E na hora de pegar o carro, percebi que o Zé, discretamente, mais uma vez, inflou o peito e sacou a chave.
Tlim, tlim, tlim.
Exibiiido...



(ilustração de Zérramos)

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