domingo, 3 de julho de 2005

posta ou filézinho?



Era a hora do almoço na casa de praia que estava em reforma. Como a casa tem empregada e fora da temporada não há onde comer ali por perto, a moça cozinhou para nós quatro: eu, o arquitetos, o empreiteiro da obra e o dono de uma empresa de que trabalha com madeiras.
Arroz, salada, peixe, feijão, suco.
Na minha frente aterrizaram duas travessas, cada uma com um tipo de peixe. Resolvi servir a todos.
- Posta ou filezinho? – perguntei para o arquiteto.
- Posta – ele respondeu.
- E você, posta ou filezinho? – perguntei ao dono da empresa que trabalha com madeiras.
Ele me interrompeu.
- Ah, é horrível esta palavra: “posta”. Nem parece nome de comida. Não vou comer de jeito nenhum um peixe em posta. Só filezinho, por favor, lúcia.
Mas peixe em postas está uma delícia, falou uma das pessoas, insistindo.
- Não, não, por favor – e ele encerrou o assunto fazendo cara de nojo.
Ele estava ao meu lado. Respirou fundo e começou a falar. Disse que ele é assim mesmo, que vez ou outra implica com alguma comida e não há quem tire da cabeça.
- Sabe, tenho aflição de outra “coisa” – desabafou – na minha casa, quando falam nessa “coisa” eu fico péssimo.
Ele fazia uma cara de ânsia, retorcia o rosto, falava baixinho. Como se a tal comida não merecesse virar um assunto a ser falado alto.
Alguém perguntou, cauteloso.
- Mas você tem nojo... da palavra ou da “coisa”?
O homem nem olhava para a comida no prato dele.
- Sei lá - ele disse - sei lá... acho que primeiro tive nojo da palavra, depois da "coisa". E ela, a minha mulher, fala dessa “coisa” todo santo dia!
- Mas fala o que é! – alguém implorou.
Ele não olhou para ninguém. Disse bem baixinho:
- Soro.
Ninguém entendeu.
Soro?
Ele continuava ali, de olhos fechados, boca torta. Parecia que tinha comido uma posta podre.
- Mas como... soro? – alguém cautelosamente perguntou – Você... detesta soro?
O homem tomou ar e continuou. Falava devagar, olhos fechados.
- Ela faz isso todo dia. Ela fala que vai fazer coalhada e diz que.. que ... vai tirar o ... soro. Fica repetindo, toda animada, alheia ao meu nojo: “já dá para tirar o soro”, “vou guardar o soro”, “vou colocar o soro”, o dia inteiro aquele negócio de soro, soro, soro, martelando na minha cabeça. Quer saber? Eu detesto soro, odeio soro, tenho nojo de soro e um dia não vou mais agüentar. Olha, é sério - ele desadafou - Um dia vou me separar dela por causa do... soro!
Ficou o maior silêncio na mesa. Acho que ficamos todos pensando sobre os casamentos, as separações e sobre o tal de "soro". Seria aquele líquido amarelado, despregado do leite? Não tive coragem de perguntar. Nunca mais verei um sorinho inócuo com os mesmos olhos. Bom, e até o final do almoço ninguém se atreveu a falar mais nada o homem das madeiras, que ficou deprimido e calado.
Como eu me envolvo muito com as mulheres, me deu vontade de ligar imediatamente para a esposa dele.
- Moça, salve seu casamento de um naufrágio nesse fluido aquoso-leitoso: pare imediatamente de falar de soro, vamos!
Na volta, me lembrei de uma palavra que eu detesto: “buço”. Palavra feia demais essa, e o pior é que ela é uma palavra meio feminina. Homem tem bigode, mulher tem esse tal de "buço".
Bom.
Pensando bem, vou pedir para o Zé nunca falar "buço" na minha frente.

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